12 abril, 2010

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Essas coisas nem sempre são tão óbvias quanto pensamos, só consegui perceber que Renato estava apaixonado quando, em uma discussão, abdicou do seu ponto de vista pelo meu. Até aquele momento nunca o tinha visto fazer isso, pelo menos não antes de esgotar todas as argumentações.

Ele abandonou sua postura dominadora para acatar minha posição no momento em que percebeu que me alterara de forma agressiva. Pesando as perdas, havia decidido que me manter era mais importante que seu ego, e essa atitude, em alguém como ele, só podia significar uma coisa: Estava mesmo apaixonado por mim.

Eu realmente gostava dele, mas paixão é um jogo solitário, não é possível reciprocamente. Não há espaço para dois com esse sentimento, o que é uma pena. Renato morava em outra cidade e eu não tinha a mínima vontade de visitá-lo, sabia que estava confortavelmente em minhas mãos e, quando quisesse vê-lo, sei que viria até mim. Ele insistia repetidamente que fosse a sua casa e eu, como desculpa, dizia que meus pais jamais me permitiriam viajar sozinha.

Então Julio apareceu e virou minha cômoda realidade de ponta cabeça, de repente me vi no outro lado da situação. Percebi que me apaixonara quando, com uma facilidade e felicidade incrível, fazia tudo que negava ao outro. Foi uma mudança colossal para mim, ele era completamente o oposto de Renato. Assumo que algumas de suas qualidades talvez viessem do simples fato de que não estava apaixonado por mim: era muito mais seguro, agressivo e indiferente, coisa impossível à postura de completa entrega do outro. Em determinado momento, não me lembro exatamente quando, começaram as agressões físicas, ele me batia e ignorava na mesma medida em que eu o idolatrava.

Foi então que Renato me indagou: - Porque você não me ama? - Não tinha muito o que responder. A mesma regra que ali ditaria, teria que ser por mim seguida. Da mesma forma que era impossível amá-lo, pela paixão que nutria por mim, o outro também nunca me amaria. Para dar um basta, encerrar aquela situação, apelei para o extremo das diferenças abismais que existia entre os dois e disse:

- "Júlio é um assassino, ele já matou por mim. Você nunca faria isso, tirar a vida de alguém. É um frouxo, não me merece. Eu preciso de um homem". - Na hora ele abaixou a cabeça, vi que tinha tocado fundo. Era triste. Mas o que eu podia fazer?

Uma semana depois recebi a notícia de que Renato havia comprado uma arma e, pensando em quem poderia matar não ofendendo seus arraigados princípios, optara pela solução mais óbvia: Suicidara.

Agora estou aqui, vendo o caixão descer e sentindo a mais forte sensação que já possui na vida. Vejo a esquife sumir lentamente e sei que, lá dentro, está homem por quem, agora, estou apaixonada perdidamente. O homem que, além de ser capaz de tirar a vida de alguém, foi de fazer com que essa vida fosse a sua própria.

Como consequência óbvia, Júlio implora perdidamente o meu amor, agora que não mais o tem.
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