20 outubro, 2010

numa noite qualquer

A aposta fechara em cem reais, éramos três e, quem fosse o vencedor, receberia 50 dos outros dois. Não nos conhecíamos há muito tempo, o que nos unia era um sentimento de revolta pela situação em que nos encontrávamos, vivendo em uma grande capital, mas cercados pelas mulheres mais provincianas que havíamos visto. Conversávamos a respeito disso, especulando que talvez apenas ainda não estivéssemos encontrado o lugar onde se reunissem pessoas mais adequadas para o nosso caráter (ou falta dele). De qualquer forma nosso campo amostral não era insignificante e permanecia a contagem de 100 % de total zelo pelas aparências que as mulheres daquela cidade cultivavam. Todas com quem havíamos nos relacionado por ali estavam mais preocupadas com as impressões dos outros sobre sua pessoa do que com suas próprias vontades. Como exemplo de tal situação, narrei o caso que tive em que a mulher chegou a me pedir que fingisse para a familia que tínhamos algo sério, só para não ficar depreciada ao viajar comigo. Um pedido ridículo que, claro, recusei.

Foi então que surgiu a ideia da aposta, não sei bem se porquê queríamos ver o outro se fodendo, sendo ignorado e desprezado o tempo todo pelos mais variados tipos femininos, ou se precisávamos de uma desculpa para continuar tentando seguir em frente e não mandar tudo pra puta que pariu e mudar de cidade. De qualquer forma a sugestao canalha veio do Diogo, o que tinha mais tempo na cidade, porém mais novo de idade. Um sujeito bem apessoado que exalava simpatia e cordialidade. Estávamos um um bar de esquina enchendo o rabo de cerveja quando ele levantou e falou como se estivesse compartilhando uma grande revelação:

- Seguinte, se o termômetro para a falta de espontaneidade e extrema preocupação pela aparência dessas mulheres daqui for pela dificuldade em levá-las pra cama, vamos apostar quem consegue comer mais mulheres no primeiro encontro.

- Caralho! Isso está parecendo coisa daqueles filmes adolescentes americanos em que os caras sempre se fodem. Não tem jeito de isso dar boa coisa. Mas como já estamos na merda mesmo, to dentro - Falei enquanto esvaziava mais um copo de cerveja goela abaixo. Eu era o que mais tinha a perder, tímido, já mais velho e, com certeza menos bonito que os dois companheiros de aposta. Já tinha desistido de tentar encontrar uma mulher interessante por ali.

Marcos nem sabia bem o porquê, mas resolveu aceitar também, era um pouco mais velho do que Diogo e acabara recentemente um namoro, estava querendo se divertir.

A merda estava combinada e decidimos que a história começava naquele momento, naquela noite. Saímos do boteco e fomos para uma das boates elegantes que apinhavam naquela cidade. Pior pra mim, adorava um bar vagabundo e me sentia completamente deslocado em outro tipo de ambiente. O tempo estava insuportavelmente seco, fazia bem uns três meses que não chovia, a cada respiração parecia que o ar rasgava minha garganta.

Chegamos ao lugar, cheio de mulheres lindas e fúteis com seus babacas a tiracolo. Passei por aquele monte de pessoas, empurrando e sendo empurrado, quando vi uma garota vestida com uma minissaia vermelha bem pequena, meio isolada em um canto, a única que parecia não tentar mostrar para todo mundo como estava se divertindo. Não dei muita atenção no momento, quem sabe no final da festa com muito álcool na cabeça, investisse nela.

- Preciso de uma cerveja - Disse me afastando enquanto meus dois amigos escolhiam um boa posição para começar a estratégia, seja lá qual fosse. Fui ao balcão e pedi uma cerveja grande.

-Só temos longuinequi.

Disse-me um sujeito com um cabelo todo esquisito vestindo uma blusa apertada. Só percebi que era homem por causa da ausência dos seios.

- Me vê duas dessas cervejas de brinquedo então.

Peguei-as e fui ao fundo do bar fumar um cigarro. Com essa nova lei absurda, o fumo virou o único preconceito que além de ser socialmente aceito, é estimulado. Um bando de moleques me faziam companhia. De novo me veio a mente: que merda estava fazendo ali.

Não devia ter me assustado quando minha barriga começou a reclamar, cigarro e cerveja sempre me dão uma puta vontade de cagar. Tomei a segunda de um gole só e fui a procura do banheiro. Tive que ir para o segundo andar, onde o ambiente tocava uma música mais baixa, intimista. Entrei no banheiro e o lugar estava escuro pra cacete, a única iluminação era a que vinha de fora. Não sei porque esses lugares, onde os caras gastam pra caralho com decoração, espelho, cadeiras e móveis bacanas, sempre tem essas porras de banheiros medíocres.

Claro que o único sanitário não tinha portas, quem diria um assento decente. Ja estava quase me borrando, então, em um movimento único, sentei ao mesmo tempo em que arriava as calças. Acho que só uma foda é melhor do que essa sensação, caguei com vontade e barulho. Que alívio! Fiquei um tempo meditando por ali, imaginando se os outros dois já haviam se arranjado. Foi quando resolvi me limpar.

- Cadê a porra do papel???

Gritei puto por não ter olhado antes. Se bem que não faria diferença.

-Caralho!!! Esses filhos da puta donos de boate acham que o povo não tem cu??

Berrei, doido pra enfiar a cara do infeliz do dono no vaso. Nesse momento entrou um sujeito que nem passou da porta, soltou um palavrão bem alto e voltou sobre os próprios passos, foi embora reclamando do cheiro que estava o banheiro. Não posso recriminá-lo realmente estava insuportável. Olhei o cesto de lixo para ver se tinha algum papel um pouco mais limpo para usar, mas estava tudo imundo. Sacudi e me limpei, o melhor que pude, com o dedo. Vesti-me com cuidado, usando a ponta dos dedos restantes e fui para a pia. Abri a torneira e... ...nada.

-FILHOS DE UMA PUTA!!!

Puto da vida sai marchando, passando pelo cara que tentou entrar e foi expulso pelo cheiro, estava reclamando para o segurança que alguém tinha destruído o banheiro. Entrei no feminino.

Claro, este era iluminadíssimo, branco, cheirando a jasmim. Imaginei que o paraíso católico deveria ser algo assim. Nem olhei para as mulheres reclamando que aquilo era um absurdo. Limpei calmamente meus dedos naquela pia incólume, olhando interessado a água marrom girar e sumir no ralo, passei sabonete, enxaguei, passei sabonete de novo, e as mulheres ja ameaçando a chamarem os namorados.

Mais tranquilo, dei uma olhada em volta antes de sair e percebi que a garota de minissaia vermelha estava sentada em um dos vasos, com a porta aberta me encarando (sim, no feminino além de portas, todos tinham trancas, tampas e, pasmem, papel higiênico). Me deu um sorriso que pareceu de cumplicidade enquanto fechava a porta vagarosamente. Saí.

Com a calça incomodando-me, pois a merda na bunda ainda estava melada, fui pegar mais uma cerveja e ver se meus dois colegas estavam com mais sorte do que eu.

Eles estavam sentado em uma mesa com duas mulheres e conversavam. Fiquei no balcão e comecei com a cachaça, sabia que aquelas cervejas aguadas e caras não bastariam praquela noite. Olhei em volta e notei várias mulheres sozinhas, pensei em ir conversar com alguma. Cem reais e uma foda cairiam perfeitamente nessa noite de merda, acho que fazia uns três meses que não trepava, coincidentemente desde que parou de chover. Se continuasse assim viraria virgem novamente. Desisti quando simulei mentalmente o que conversaria com aquelas mulheres, não tenho mais saco pra fingir interesse por esses papos imbecis: Falaria sobre o quê? Teria que inventar algum assunto que imagino ser do interesse delas e depois fingir atenção na conversa? Tudo isso para convencer alguém a prestar o mínimo de atenção em mim? Não tem jeito. Lembro-me da última vez que me interessei por alguém, há uns 10 anos talvez. Começamos conversando sobre Etta James e logo passamos para Dostoiewski, ambos estávamos lendo os livros dele na época, logo após, sem mais delongas, fomos trepar, apaixonei no mesmo instante. Qual a chance disso acontecer novamente? Absolutamente nenhuma, teria que falar de carro, futebol ou música ruim. Não dava! Não tinha estômago.

Virei uns três copos de cachaça e vi de novo a moça da saia vermelha. Fui ao lado dela, sussurrei em seu ouvido e fomos para a mesa dos nossos amigos.

- Cinquenta de cada. Tô indo trepar. - Tudo isso com o consentimento, pelo menos do movimento de cabeça, da minha companheira.

Eles me olharam assustados, decepcionados. Estavam esperançosos com as madames com quem conversavam. Eu acho que eles iam conseguir apenas telefones e mais do ridículo joguinho feminino que fazem por aqui. Se bem que não tem como criticar muito, os homens também adoram isso, é um circulo vicioso. Nós forasteiros é que estamos fora do lugar.

Deram-me o dinheiro meio a contra gosto e fomos embora. Ela pediu a parte dela da grana antes de entrar no táxi pro motel. Olhei pra cima. Tinha começado a chover.