07 janeiro, 2011

Tocando no assunto

Novamente em busca da, tão distante, justiça.

Abandono parental é a palavra atualmente em voga no nosso sistema judicial, pelo menos na vara de família. Já que o aborto permanece ilegal e os pais não possuem o direito de decidir se estão em condições de criar um filho cuja fecundação já ocorreu, uma criança no ventre é um participante da sociedade que ainda não tem condições de se manter sozinho e deve ser sustentado. Parece que o sistema judicial percebeu que é importante a participação dos dois responsáveis pela existência desse ente no seu processo manutenção, o que ainda fica obscuro, escondido por uma grossa camada de poeira hipócrita gerada por milênios de uma sociedade machista e discriminatória, é que o atual processo de pensões praticado acaba dificultando a participação do pai na criação da criança, induzindo-o a um possível abandono parental.

Podemos perceber a discriminação do sistema por um atual caso onde a morte de uma mãe, com uma posterior entrega de guarda para o pai (nada mais óbvio), gera uma indignação na população brasileira ante a tentativa da família da mãe, mais especificamente da avó materna, a ter acesso ao filho. Com certeza, se fosse o contrário, o pai que tivesse falecido e a mãe desaparecido com a criança, o caso não teria nenhuma repercussão ou espaço na mídia.

O sistema judicial enxerga o pai como alguém em fuga, responsável pelo surgimento de um novo integrante da sociedade e que, irresponsavelmente, tentará se abster da criação dessa criança o máximo possível. Além disso, também pré conceitua o pai como o único ou maior provedor da família, ignorando o salário da mãe. Dentro dessa visão de mundo, os processos tentam determinar uma quantia de pensão que reflita o mesmo padrão de vida que a criança teria se vivesse com os pais juntos.

A situação se complica, e não é levada em conta pelos tribunais, quando o pai quer participar ativamente da vida do filho e, ao mesmo tempo, possui uma condição econômica similar ou inferior à da mãe. Como a pensão é aplicada por padrão considerando um pai omisso, quem age de forma contrária, ou seja, participativamente, acaba não tendo condições de atuar igualitariamente na criação dos filhos. Não estou falando da “guarda compartilhada”, outra palavra também em moda, como esse tipo de acordo só é possível com o aval da mãe, já que ambos tem que provar perante a assistente social que podem viver em harmonia, acaba se tornando uma utopia, difícil de acontecer em uma realidade onde poucos relacionamentos terminam tranquilamente, me refiro aqui à convivência de fins de semana, pedaço das férias e as demais esmolas comumente cedidas ao pai. Como ele já patrocina todos esses eventos da criança com a mãe, terá que pagar em dobro se também quiser te-los em seus momentos. Já que a pensão não é um fundo em um banco onde qualquer um dos pais possa retirar o dinheiro para gastos com a criança, ela é inteiramente utilizada durante a convivência com quem tem a guarda, seja pra comprar uma cadeirinha para o carro (da mãe), uma passagem (para uma viagem com a mãe), brinquedos (pra casa da mãe), gasolina (pra passear com a mãe), alimentação, etc. Ora, se o pai quiser conviver com o filho, terá necessidade de adquirir esses bens também para si, comprando novamente (e sem ajuda de ninguém) outra cadeirinha, uma passagem para passar o período das férias que lhe cabe, brinquedos, gasolina e mais comida.

Isso nos leva a conclusão: como o pai já contribui com uma quantia extremamente significativa do salário para o sustento do filho com a mãe (30% do salario bruto, deduzindo apenas os descontos obrigatórios, o que é um valor muito superior ao salário líquido real do fim do mês), pode acabar não tendo condições de arcar com o mesmo nível de participação quando está com a criança, ou seja, como tem que comprar (ou ajudar a comprar) o quarto e os brinquedos para o filho na casa da mãe, não terá como montar um quarto nem comprar os brinquedos equivalentes em sua própria casa, gerando uma sensação de frustração que, pelo menos por experiência própria e colhida em fóruns de discussão específicos na internet, podem levar ao desestímulo a convivência. Isso se torna ainda mais grave quando o pai não vive na mesma cidade que o filho pois pode impossibilitar definitivamente a convivência se não sobrar dinheiro para as viagens.

Imagine uma situação onde o pai vende 10 dias de férias para ter dinheiro para viajar e passar os 20 dias restantes com o filho. Desses 10 dias vendidos, 30% vão para a criança passar essas férias com a mãe e não com ele, que nunca terá o mesmo montante para gastar com a criança que, além dos 10 dias vendidos, ainda recebe mais 30% do pai. Isso acontece com qualquer outro provimento, inclusive o 13.

Quando o dois possuem condições financeiras similares e o pai quer participar ativamente da vida do filho, a pensão deveria servir para manter apenas os requisitos essenciais que derivam da guarda e que não são opcionais: metade da escola, do aluguel, da alimentação e afins. O resto deveria ser pago pelo pai diretamente ao filho e em sua companhia. Se a mãe pretende que a filha faça balé, o pai não deveria ser obrigado a patrocinar, deveria ter a possibilidade de investir sua parte em atividades que espelhem suas aspirações e ideologias, ajudando assim a formar um caráter mais complexo e maduro na criança, não dependendo somente das influências maternas. A parte que cabe às recreação e viagens também deveriam ser gastos nas horas de visita do pai, já que a mãe possui as mesmas condições e pode bancar as suas.

É claro que existem pais omissos mas, da mesma forma que existem mães que transformam crianças em fontes de renda estáveis por 18 anos, não podemos injustiçar uma parcela da população por casos específicos. Isso é pré-conceito.