07 julho, 2023

PORRA, SÃO MINHAS VÍSCERAS!


 - Porra, são minhas vísceras! - Exclamava mentalmente enquanto percorria com os olhos a linha rubra brilhante que se espalhava pelo asfalto chegando à sua barriga.

O emaranhado de tripas e outros órgãos indistinguíveis tomava um aspecto plástico por não estarem ocupando seus lugares devidos dentro da confortável concavidade do corpo. 

Ele pensa se deveria tomar um atitude e recolher tudo para dentro de si novamente, mas lembrou que não conseguiria reconhecer cada órgão e nem saberia em qual local cada um pertence. 

- Se eu colocar o pulmão no lugar do coração e o ar começar a circular em minhas veias, começarei a levitar? Se colocar o coração no lugar do estomago, começarei a digerir sentimentos?

De qualquer forma percebeu que suas mãos não mais também lhe pertenciam, então qualquer ideia de recolhimento deveria ser descartada.

- Esse asfalto está muito quente, sinto minha bochecha em carne viva.

Em vão tentava se mover, não mais havia músculos sob seu comando. Cansado de todo esforço que não fez decidiu dormir com a leveza de alguém que não precisava controlar mais nada.




28 junho, 2023

Fragmentos de mim

O meu eu fragmenta-se eternamente na cadencia do relógio....o meu eu da madrugada, o da insônia, a odeia. Não entende o interesse e paixão. Só vê o sofrimento desnecessário que não o deixa dormir no torturante passar de horas revirando suado no colchão. Promete a si mesmo que dará um fim nessa conta que não fecha, nesses parcos dias de felicidade imensa mendigados em troca de agonias semanais em que sabe que a escolha é a cama de outro.

O meu eu sonolento se arrefece dando espaço para o eu da manhã. Esse, ainda entorpecido pela noite em claro, permanece em uma agradável indiferença. É um alivio pelo terror molhado da madrugada. Ainda assim sabe que não tem lógica a situação em que se meteu. O problema é quando começa a acordar de verdade, e isso demora um pouco. Então começa o eu da tarde.


O eu da tarde sofre com a ausência, ele torce a conta matemática e a necessidade daquela companhia o atormenta. O eu da tarde espera qualquer biscoito oferecido, qualquer petisco jogado. Espera algo que nem sempre vem. O eu da tarde não sabe o que fazer, cancela a decisão tão certa dos dois eus anteriores. O eu da noite chega sorrateiro.


O eu da noite chora e abre espaço pra insônia que fatalmente chegará pra começar tudo de novo.


O meu eu da madrugada...




05 maio, 2023

Gritos altos para ouvidos moucos

Bianca berrou em um suicídio, a forma mais alta que se pode pedir ajuda, o grito mais estridente para perguntar se alguém sente algo por si, se alguém se importa. O grande problema dessa estratégia é que não se está mais lá para ouvir a resposta .

Já Jéssica, sozinha, vai morrendo aos poucos, em gotas já que, moça tímida, nunca foi de alarde.


Eu canto, suplico, lastimo, não vivo contigoSou santo, sou franco, enquanto não caiu, não brigoMe amarro, me encarno na sua, mas estou pra estourar, estourar
Eu choro tanto, escondo e não digoViro um farrapo, tento o suicídioCom caco de telha, com caco de vidroCom caco de telha, com caco de vidro
Só falo na certa repleta de felicidadeMe calo, ouvindo seu nome por entre a cidadeNão choro, só zango, resisto, fico no lugar, no lugar
Eu choro tanto, escondo e não digoViro um farrapo, tento o suicídioCom caco de telha, caco de vidro

12 abril, 2023

22 março, 2023

Mas ah, que já não era sem tempo!




Impressionante o furacão que se forma de uma hora pra outra. Em um momento o whatsapp é uma bela ferramenta de comunicação onde combinamos exploratórias dolorosas e afogamentos em fundo de garrafas nos botecos com amigos e, de repente, um rosto antes desconhecido invade a tela e começa a aparecer no topo da lista tomando a frente qual um filho da puta de um cavalo de corrida azarão, tornando-se a mensagem mais esperada da ferramenta. É um estar confortavelmente incomodado, um medo feliz que faz ferver a cabeça com planos infinitos e mirabolantes de fantasias sexuais, pratos elaborados, viagens baratas, tatuagens vagabundas e hálitos eternamente trocados pelo tempo que durarem os caralhos desses hormônios.

Agora a vida se limita a esse hiato, esse eterno esperar do encarar aqueles olhos. De que adiantaria cobrar exclusividade quando não sobra espaço para mais nada? Quando meus pensamentos estão completamente tomados por essa porra dessa febre que agora consome minha lucidez?
Sem tempo e espaço pra mais nada, troco a parte que me cabe por qualquer pedaço doado desse osso jogado a que eu corro atrás feliz e salivante.

24 setembro, 2021

Currículum Vitae

Texto em constante atualização

Já vi o por do sol as 22:30 horas em Finisterre, o aplaudi em São Thomé das Letras e o vi nascer a quilômetros de qualquer viva alma no topo do pico da bandeira onde chorei em gargalhadas feito louco uivando pro mar de nuvens que cobria a enorme ausência de qualquer pessoa.
Já vaguei perdido com uma garrafa de vinho na mão pelas praias de Tenerife sem saber ao certo o rumo de casa.
Já fui a Florença com uma grande amiga sem saber aonde estava indo.
Já me perdi em Pisa.
Já fui enganado em Amsterdam e tentaram me roubar em Cartagena e paris.
Já corri na chuva atrás de táxi em Bogotá, quase perdendo o avião.
Já curei bolhas do pé em minha mãe enquanto andava pela Espanha.
Já fui de carro, moto, bicicleta, onibus, carona, tanto boleia quanto na carroceria de caminhao, a pé, de carona, barco.
Já ouvi um concerto de música clássica dentro do castelo de praga.
Já toquei gaita acampado no topo do morro da baleia na chapada dos veadeiros e na Serra do Cipó. Já pesquei com meu filho em Moeda.
Já escalei assistido por minha filha, em Lagoa Santa.
Já andei de caiaque na lagoa de Furnas e no Paranoá.
Já mergulhei nas águas geladas das cachoeiras do Caraça.
Já dirigi em curvas sinuosas até acabar a Carretera Austral.
Já tive as orelhas queimadas pelo vento frio no Cebreiro e o nariz nas ilhas ballestas.
Já nadei em uma ilha caribe e joguei futebol a 3900 metros de altitude.
Já escalei em lugares selvagens e subi em picos gelados.
Já dormi no topo de cachoeiras inexploradas apenas com um saco de dormir sob o protesto de revoadas de andorinhas que dominavam o local, sendo acordado no meio da noite por uma lua que surgiu tão luminosa quanto o sol.
Andei a esmo no salar de uyuni e morri de frio olhando o céu mais estrelado que já vi no deserto.
Já comi salsicha no centro de La paz, churrasquinho aos pés de Machu Picchu, sobá em Campo Grande, pulmão de vaca em Bogotá e ceviche em lima, tudo de barracas de rua que eu adoro.
Já tomei café da manhã gratuito para peregrinos em Santiago de Compostela.
Já vi discos voadores enquanto acampava em Corguinho.
Ja atravesse cavernas imensas e outras que testaram minha claustrofobia
Já ajudei a descarregar tijolos em troca de carona em um caminhão em Tabuleiro.
Já deitei de madrugada na beira do lago em lapinha da serra pra ver o ceu.
Já pedi um grande amor em casamento ajoelhado em uma noite fria no topo da torre Eiffel.
Já descobri cachoeiras.
Já fui infestado por carrapatos.
Já participei de uma missa gregoriana em uma igreja semisubterranea em Vega de Valcarce, já dormi em conventos milenares e tetos de antigas igrejas.
Já tive um banheiro ao céu aberto onde a vista era o topo do monte Roraima, já atravessei a Venezuela e quase não consegui voltar de Isla Margarita.
Já comi as mais estranhas e deliciosas entranhas preparadas em um típico churrasco argentino em buenos aires e os tradicionais calzotes catalões em um aniversário nas montanhas mágicas que cercam barcelona e escondem antigas igrejas e mosteiros, onde também andei a noite em campos de bruxas e coletei aspargos selvagens em campos de alecrim.
Já escorreguei em Gelo e neve para chegar a uma Laguna belíssima e mirar de perto o lindo cume de Cerro Castillo.
Já enfrentei chuva forte ao desembarcar em Cabo Polônio e ouvi blues em Punta del Diablo.
Já atravessei 200 km de praias desertas tomando águas insalubres até chegar na fronteira do Uruguai
Já dormi em faróis abandonados e outro onde o guarda mantinha uma luta diária inglória de vencer a areia que tomava todo o lugar.
Já fui na casa do Salvador dali, Kafka, Gabriel Garcia Marquez e torquemada, só que eles não estavam lá.
Já passei dias em um veleiro subindo a costa brasileira e entendendo realmente a profundidade que significa a cor azul marinho.
Já pintei quadros, escrevi um livro e inventei uma música. Fiz poemas tão medíocres quanto doloridos sobre amores impossíveis, mesmo odiando poesia.
E olha que estou só começando.

Iconoclasta, determinista, de beira de copo e fundo de cinzeiro, dono de um mundo de um eu só, mas inteiro.

30 setembro, 2020

dias quentes demais para estar aqui

Deitado na cama encharcada de suor, presente desses dias infernais que seguiram meu retorno, com a cabeça a mil tentando inventar motivos pra não pensar, crio textos desconexos e passo pro computador. Um vinho me chama sorrateiramente da minha cozinha, desprezo-o, ainda estou em horário de serviço e pretendo frequentar depois a detestável academia de ginástica, tortura a que me entrego para me sentir um pouco melhor comigo mesmo ao fazer algo em progresso a minha saúde e aparência. Talvez o único lado bom dessa inquietação que me compele seja a do retorno a preocupação com aparência, apesar de não estar bem certo se acho isso algo realmente positivo. Fico aqui, entre reuniões complexas e conversas de aplicativos, mascando a fumaça de cigarros que já prometi deixar e bebendo uma autocomiseração de agonias sobre relacionamentos impossíveis. As possibilidades, tanto futuras quanto as perdidas, rasgam meu cérebro com as unhas longas e duras que têm os planos que já nasceram mortos.

23 setembro, 2020

Sobre um romance não romântico

Houve uma vez um romance, porém essa história falada não escrita, esse rumor solto na cidade escurecida de luzes mas brilhante de estrelas e cometas, tinha uma peculiaridade, não era nada romântico. Nessa história fugaz, dois desconhecidos fizeram uma viagem épica, regada a vapores ferventes em jorros altos de água que atraíram bêbados sôfregos em compartilhar sua sabedoria mecânica e se juntaram em uma praia erma, de marés baixas e luas altas. Neste lugar conversaram, tanto na efusão de pensamentos ébrios quanto em longos silêncios. Ali comeram casquinhas de siri em busca de vermes que não apareceram e se encantaram com arraias saltitantes nos caminhos de corais onde nunca chegaram. Dançaram sob o olho irônico de um dragão celestial que observava tudo enquanto segurava o riso com as conversas que os dois segredavam, intercalando copos de cerveja, drinques improvisados e confissões de filhos e filhas soltos em mundos sombrios. Foderam, claro, como qualquer outro vivente nessa situação, talvez com menos ímpeto ou frequência que o esperado, já que não tinham a mesma intensidade de interesse, mas tudo bem, nunca se tem. Pouco tempo tiveram, o que era muito pra eles, já que pessoas de pouca paciência pras coisas românticas de épocas românticas têm baixa tolerância ao costume com outros e tendem a se sentir presos em rotinas compartilhadas. Estragaram possibilidades de maiores intimidades por traumas ou prepotências inúteis mas, nessas noites de lua alta e discernimento baixo, fizeram sua história pequena e curta, porém feliz pelo período eterno que durou nada além do que o tempo necessário.

22 agosto, 2018

Fodido

Nao sei o que mais me fode em ti.
Se tua buceta
Ou tua boca
Na verdade acho que sempre soube a resposta,
São teus olhos

19 janeiro, 2018

Das caretas que realmente assustam

Alexey nunca havia se apaixonado antes, não dessa forma pelo menos. Não era simpático aos cultivadores de amores platônicos e achava o romantismo uma bobagem criada para vender livros de segunda e fazer música ruim. Mesmo assim, com toda ojeriza que sentia pela futilidade do interesse através da aparência, Alexey havia se apaixonado por uma foto.

Percebeu o que estava acontecendo apenas quando começou a acessar aquela imagem de 5 em 5 minutos alternando a tela do seu computador através do teclado. Não conseguia mais trabalhar, sua concentração estava inteiramente comprometida em esperar o próximo atl+tab e rever aquele rosto. Era uma imagem comum e não diferia das varias beldades disponíveis pela rede se não fosse um detalhe, a menina da foto estava fazendo uma careta e, para Alexey, isso fazia toda a diferença.

Conseguia entrever detalhes pela imagem, uma tatuagem no pulso com o símbolo do ateismo, os olhos pintados e um quadro com guarda chuvas pendurado na parede logo atrás. Conseguia construir algumas características através dessas informações, mas o que o conquistou, o que realmente o fez perder a cabeça foram as possibilidades. Alexey sabia que o que estava sentindo era construído por essas possibilidades e forjado pela admiração. Todos aqueles detalhes o intrigavam e o levavam a querer conhecê-la mais e mais, e isso era o indício mais forte de paixão que conhecia.

Dentro da sua cabeça teceu as imensas possibilidades de personalidade e dos embates resultantes que os dois teriam. Imaginou se algum dia contariam sua história entre risos, regados de cervejas e cercados por amigos íntimos ainda desconhecidos. Pensou que estariam todos em volta de uma mesa, a abraçaria segurando firme com os dedos entrelaçados em seus cabelos, a beijaria e diria para todos que se apaixonou a primeira vista apenas pela foto de uma careta. Imaginou os países que visitariam, como seria a família dela, das comidas que preparariam juntos enquanto bagunçavam a cozinha. Pensou nos vinhos que tomariam, nas brigas que teriam e nas pazes que fariam.

Porém algo gelava dentro de Alexey, ele percebeu algo mais, e isso lhe dava um puta medo, já tinha experiência para saber que ela era o tipo de mulher de quem sentiria ciúmes, por quem sofreria, alguém que o faria engolir todos os discursos ideológicos de liberdade e racionalidade que sempre vomitou e defendeu. Alguém que o desestabilizaria e o arrancaria de sua confortável ilusão de independência.

Alternou um pouco a tela tentando trabalhar mas o máximo que conseguiu foi parar de pensar no futuro e se ater ao presente, começou a pensar se teria namorado. Imaginou como devia ser seu dia a dia, quais os sonhos e os dramas quotidianos que ocupavam aquela vida. Queria fazer parte daqueles planos e problemas, ajuda-la a resolvê-los e levar alguns dos seus para ela. Tremia por dentro somente com a ideia de tocar aquela pele feita somente por pixels.

E assim foi dormir, com a imagem daquela menina torcendo a cara vagando por sua mente. Dormiu sorrindo um sono bom mas, no fundo, sabia que não passava de uma foto perdida na internet, sem nenhum nome e nenhuma possibilidade de encontrar a dona daquele rosto e poder ve-la fazer qualquer outro tipo de careta.


PS. (Alexey enviou esse conto em forma de carta. Como resposta conseguiu uma sequência linda e muda de fotos das mais variadas caretas, que só serviram para aumentar sua paixão e medo)

26 dezembro, 2017

Do outro lado da rua

Era em frente a sua casa.
Ela desembarcou do carro de alguém, despediu-se ligeiramente e foi em direção ao portão.
Olhou pra trás de soslaio e flagrou-o desenhando em um bloquinho preto.
Mesmo intrigada, entrou e esqueceu.
A cena repetiu-se toda semana por vários meses.
Cada sexta-feira estava lá, sentado do outro lado da rua, vendo-a chegar com suas sandálias rasteiras, saia hippie e óculos escuros, sempre olhando no celular.
Um dia ela atravessou a rua.
Ele se assustou. Endireitou as costas escoradas ao muro e perdeu a cor. Não sabia o que esperar.
Ela mexeu em sua bolsa sem olhar e tirou algo de dentro.
Frente a frente, entregou-lhe uma foto sua.
Ele virou o rosto e fechou os olhos afastando a foto com a mão, como quem se depara com algo profano.
- Quero continuar desenhando da maneira que lhe vejo. - disse-lhe.
Ela não conseguiu ver o caderno, mas voltou pra casa com a certeza de que estava bela no desenho do rapaz.

18 dezembro, 2017

"Da noite que soube que não era bom suficiente pra ser chamado pra festa" ou "Da incompreendida genialidade dos Dj's"

Deitado na cama ela começou a esfregar, de costas, seu corpo nu no meu. Entre gemidos pegou minha mão direita e posicionou em seu peito, tomando cuidado para não irritar o piercieng recém colocado no mamilo. Minha outra mão foi puxada para sua boceta em uma suplica masturbatória.

Meu pau continuava incólume e flácido roçando sua bunda, então puxei seu ombro posicionando-me sobre ela. Olhei fundo naqueles olhos aproximando meu rosto até que nossos narizes se tocassem.

Misturando o álcool de nossos hálitos, disse-lhe:
- Se me queres de pau duro, basta me beijar.


************


De tantos talentos possíveis,
Pra fodas a quem convidar,
Nada se faz mais premente.
Que quem uma musica maneira, saiba botar pra tocar.

todos juntos por um mundo com mais academias e menos livros

24 janeiro, 2017

Dela, que fala facas

- Putaqueopariu, essa guria é maravilhosa! Onde você conseguiu alguém assim?
- Ela é linda mesmo! Pena que somente de boca fechada.
- Impossível! Até o pior dos impropérios ficaria lindo nessa boca.
- Bom, sabe aqueles travecos que você prende vez ou outra? Que enchem a boca de lâminas e vomitam gilletes? É algo por ai...
- Que porra uma coisa tem a ver com a outra???
- A porra que tem a ver, meu amigo, é que essa mulher fala facas.
- Ah caralho, la vem você com essas Metáforas.
- Pode até ser que, em algum momento, essa verdade torne-se metáfora. Mas não posso responder essa sua pergunta se não consigo identificar quando. Minha única certeza é que todas as feridas provenientes do que você chama de "metáfora" são verdadeiras e sangram.
- Mas vocês já estão juntos há tanto tempo. Ela ainda lhe afeta dessa maneira? Como?
- Indiferença meu amigo! A mais simples e completa indiferença. Para ela tanto faz me magoar ou não. Um dia escrevia bilhetes apaixonados e me olhava daquele jeito que jamais esquecerei, no outro esquentava a nossa cama com o corpo do meu melhor amigo.
- Se é esse o caso, manda ela a merda amigo.
- Não sei, esse tipo de atitude sempre me pareceu covarde, algo de quem não consegue lidar com a situação.
- Me parece que você não consegue.
- Acho até que consigo, só tenho dúvidas se é saudável tentar.

08 setembro, 2016

Pêsames pelo aniversário

Não vou te desejar feliz aniversário porque sei que estás triste.
Entendo o motivo e, se fosse tu, morreria a cada ano.

Todo aniversário te lembras da própria existência, eu não suportaria tal recordação.
És a pessoa mais desprivilegiada que conheço, a mais infeliz.

Já que és a única que não pode ter noção do que é viver contigo,
a única que não pode te beijar,
a única que não pode conversar contigo e, dessa forma, poder se surpreender com a imensa inteligência
a única que não pode sonhar a cada segundo quando irá te encontrar, imaginar que roupa estarás vestindo e que palavras ouvirá de tua boca.

Não tens como imaginar a espera ansiosa pelo bater de portão que anuncia tua chegada, mas, pior do que tudo somado, merecedor de um tiro nas têmporas, és a única que não pode trepar contigo.

Estás impedida de todos os melhores prazeres que podem ser aspirados por um ser humano.

Por isso te dou meus pêsames em teu aniversário.
O parabéns é para mim.


Na distante Campo Grande
em um longínquo 23/11/2004

07 março, 2016

dos gostos que dois litrão e um maço de cigarro tiram de sua boca

Um dia amargo o conduziu aquele bar. O céu pesado com uma garoa intermitente o levou ao refúgio da última mesa que oferecia alguma proteção contra o tempo e a multidão. Sentou sozinho. Pediu uma cerveja forte para combinar com aquele dia, um litro de uma vez para não ter que aturar a desatenção do garçom. Sorveu grandes goles, sofrego por uma rápida ebriedade. Com esquivas olhadelas às pessoas em sua volta, identificava alguns rostos conhecidos e uma ou outra fisionomia mais interessante, porém voltava-se sempre ao caderno. Queria gastar a tinta da caneta, encher folhas e esvaziar a cabeça.

Conversas acaloradas sobre política e outras mais amenas sobre projetos em andamento e seus conflitos laborais eram percebidas o meio da balburdia geral. Alguém afinando um violão dava a estranha impressão que tudo não passava de um tipo de música descompassada.

Embalado pela estranha canção lembrou de amores passados cuja história compartilhava o mesmo ambiente. Lembrou de alguns queijos finos apodrecendo na geladeira e duas garrafas de vinho que o conduziam à melancolia da mesma pessoa. Um corpo esguio vestido de preto, olhos verdes felinos, cabelo loiro e um comprido pescoço agora o assombravam. Sem propósito nenhum além do tormento, pois não tinha mais direito de pensar nela, já que o isolamento havia sido decisão sua. Sofre sem direito, padece por sua inventada doença.

Pediu a conta e foi-se embora se masturbar à fraca luz de seu apartamento, escondido por uma forte autocomiseração. Tudo era, afinal, o preço pago pela sua cruel necessidade da utópica independência.

Mas, no caminho pra casa, percebeu na língua um gosto doce da noite.

28 outubro, 2015

Cartas nunca enviadas

Em determinadas noites, quando presenças estrangeiras que por algum motivo não posso assediar invadem minha casa, eu cedo minha alcova solitária e o colchão virgem. Nessas noites, geralmente quentes ou frias demais (pois eu, cuspido morno nessa vida, já tive meu impossível tempo de extremos), quando corre a lua no céu imenso que enfeita minha pequena janela, pego o velho colchão que habita embaixo da minha cama e o jogo no chão do quarto abandonado, lá ele fica, amassado entre os móveis do espaço exíguo. Deixo-o nu e deito-me naquela vala antiga, deformada na espuma por corpos pesados em sonos difusos nas manhãs lentas de tempos passados. Dias preguiçosos onde tua presença, fugida da universidade, abria meu portão com um barulho nostálgico que me acordava feliz. Teu vulto, talhado no sol que entrava pelos vidros da sala, invadia minha cama pelo pé, levantava minha coberta e se aninhava, quente de rua, em meu peito sonolento. De pés trançados fodíamos o mundo.

E então, algumas vezes nessas noites, deitado no colchão sujo de nós dois, eu lembro.

19 outubro, 2015

mais do mesmo, mas não pra mesma

E não me venha com essa ausência descarada. Nem com esse ultimo escarrar de palavras encerrando minha resposta com um bater de porta na cara. Isso é coisa de casal, algo que não somos mais.
Não adianta sair pisando firme, nem franzir o cenho e amarrar esse bico na cara (apesar de ficar linda com ele). Você não me odeia por causa dos meus pensamentos. Você me odeia porque vê sentido neles, os entende. Você é fabricada pela mesma logica, a mesma matéria racional e insensível que constituem minha falta de crença. Então o que você odeia é a própria sensação de que, mesmo não querendo, algo se encaixa no meio desse monte de impropérios que vomito a torto e a direito.
É quando se esconde, tenta não pensar muito no assunto. Leva a vida em buracos cheios de pessoas desinteressantes e fúteis, preenche seu tempo fugindo da própria forma de pensar, entra na multidão tentando se perder no meio de alguma festa esnobe. Mas sente que, beeeeem la no fundo, tua mente não te deixa em paz.
Sinto muito mas você nunca vai conseguir correr o suficiente para fugir do seu próprio raciocínio, por mais imbecis que jogue em sua cama. E é isso que te mata, é isso que você odeia, é isso que te rouba o sono a noite.
Na verdade você não me odeia, você se odeia ao perceber que é como eu.

10 setembro, 2015

Ojos fugaces

Miré aquellos ojos fugaces
Ojos que miraban a todas partes
menos a mí

Miré aquellos ojos fugaces
bordeados por una piel suave y dorada
y se fueron

Pero cuando estaba en ella,
Miré aquellos ojos fugaces
y ellos me miraron de vuelta
A partir de ese momento los ojos fugaces me persiguen. Me despiertan del sueño

Me miran de su distancia segura y me siguen en silencio
Miré a aquellos ojos
y ahora no puedo escapar
de aquellos ojos fugaces

"Matamos lo que amamos. 
Lo demás no ha estado vivo nunca."  
Rosario Castellanos



Primeira tentativa de escrever em espanhol, por favor quem souber me corrija

28 julho, 2015

Sobre o que eu sou (ou, da beleza em como os inteligentes xingam)

"Tu tinha razão quando disse que deveríamos nos afastar. Com o afastamento veio a serenidade e o entendimento.
Enfim entendi tua promiscuidade.
Não se restringe somente ao sexo; tá presente nas relações, nos “afetos”, na forma de viver.
O bom dessa superficialidade está em esconder a ausência de autenticidade (vide teu personagem de redes sociais desassociado à personalidade de seu criador).
É fácil demonstrar carinho, afeto, cuidado, sofrimento, sensibilidade, fragilidade e atenção no mundo virtual - cria-se uma plateia de ignorantes admiradores por alguém que, aparentemente, não tem receio de mostrar sua humanidade.
Entendi a importância da quantidade – não necessita integridade ao adentrar (nem é necessário adentrar, a superfície te basta, é local seguro) e, assim, não há risco em mostrar como se é de verdade; logo, não há risco em decepcionar ninguém e lidar com consequências e rejeições decorrentes.
Não creio que a mediocridade te defina, a superficialidade sim.
E não há mal algum nisso.
O mal está em ludibriar as pessoas com uma falsa imagem em troca de satisfazer tuas necessidades e carências, sem se importar com o que elas sentem (tu já me disse várias vezes que não se importa, além de ter demonstrado. Talvez isso explique por que tu trata mal a quem diz gostar e está perto). Eis o egoísmo que sempre mencionei (sou sútil com os adjetivos).
Bom, o fato é que me afeiçoei pelo personagem “virtual” – ele é interessante e carismático. Na convivência me foi possível distinguir um do outro – o ser real é vazio, por isso eternamente insatisfeito.
Sei que o que escrevo não é verdade universal, é só minha visão a teu respeito - apesar que nada que escrevi é novidade pra ti.

Não sinto mais raiva, tristeza, desolação, falta... sinto alívio por perceber que posso classificar tudo como um engano. E enganos acontecem e são facilmente superados e esquecidos.
Com o exposto é simples compreender minha falta de interesse em te manter, de nenhuma forma, em minha vida"

14 maio, 2015

Meritos devem ser dados

Pelo menos sou responsável pela melhor foda da tua vida, mesmo que tenha sido proporcionada pela minha ausência.

27 abril, 2015

Cancum na chuva

Bêbado de vodka vagabunda com água de coco, andando pelas ladeiras de pirenópolis resolvo me proteger entrando na igreja.

Era uma casamento e algumas pessoas das ultimas filas se viraram para ver quem havia entrado mas logo me esqueceram e voltaram ao discurso enfadonho do padre que começava a ler alguma carta de um corinthiano para outro alguém.

Percebo uma moça loira muito jovem, com as coxas lindas aparecendo por baixo de uma minissaia preta logo ao meu lado, imaginei que seria parte da recepção matrimonial. Cheguei mais perto e pedi pra bater uma foto para mandar para minha ex que estava em cancum e me mandava várias fotos dignas de inveja. Disse para a loira que ela devia estar fodendo com algum mexicano ou turista nessa altura e queria mostrar que não estava sozinho. Ela riu e disse que não se importava, bati a foto e enviei.

Empolgado com o sorrisinho recém saído da adolescência e entorpecido pela água de coco (a coitada da vodka não tinha culpa nenhuma), cheguei ao ouvido dela e disse. Você não está fazendo nada mesmo, que tal aproveitar o padre e casar comigo?

Só o que consegui foi mais um sorrisinho antes dela se virar e sumir no casamento. Eu voltei pra chuva.

06 abril, 2015

foi daqui que pediram uma pizza?


Olhou um último momento enquanto ela se afastava pelo corredor em direção ao elevador. A bolsa segura com uma força nervosa por aquelas mãos pequenas e os saltos ecoando alto pela madrugada quente daquelas outras portas silenciosas, eram 4 da manhã. Acompanhou-a com os olhos por pouco tempo e entrou, fechou a porta bem devagar com as duas mãos. Girou a maçaneta para não fazer nenhum barulho, sempre imaginou como ofensa se a pessoa que estivesse indo embora ouvisse o som da porta sendo fechada.

Entrou no quarto e sentiu o cheiro forte de cigarro, a cama toda desfeita ainda estava quente e molhada.

Deitou e lembrou que ela havia dito que não mais voltava. Odiava aquilo, quando alguém encerrava algo bom só porque não teria exclusividade. Odiava essa tendência possessiva das pessoas. Pensava que sentimento não se divide e não é finito, não se gosta menos de uma pessoa por admirar outra.

Se sentia muito triste naquele momento, principalmente pelo fim desnecessário de algo que poderia ser bom por tanto tempo, uma vida talvez. Gostava muito dela, bem além da foda. Adorava conversar, beber, ver um filme em casa e passar o tempo. Coisas bestas. Mas em sua concepção nada valia tanto quanto sua liberdade.

Se assustou quando a campainha tocou. Levantou-se e abriu a porta que nem havia lembrado de trancar. Vestia um sorriso que não pode se manter por muito tempo, era apenas o entregador de pizza que havia errado de porta.

Da lucidez e da distância (1 km vs 3000 km)


Existe uma importância solene no momento em que nos percebemos desimportantes. Uma lucidez cruel na percepção do todo e do qual não mais fazemos parte.
E assim foi, conforme ela falava eu diminuía. A cada palavra acompanhada por um brilho no olhar eu encolhia. A importância da história vivida, ilustrada por inúmeros registros sorridentes e provocantes, me tiravam um grama de osso, uma nesga de músculo por frame.

No final só minha pele seca sobrava.

Eu não mais era grande parte dela, os vazios foram preenchidos mas não por mim. Pensei que ocupava aqueles espaços mas, se assim o fosse, não existiria a possibilidade dele ali ter estado, e esteve. E permanece.

Então agora, já que
o deliriuns tremens que te provocava não mais é exclusivo
minha boca já não beija melhor
minha graça não mais abre teu riso
minhas frases não despertam mais o interesse

me espanta que, de noite, no fim da festa,
o braço que ainda mais te abraça seja o meu.

02 março, 2015

Procura-se uma puta de rua que saiba desenhar, fotografar e goste de ler (literatura mesmo, não essas coisas que tem por ai).