05 dezembro, 2005

És meu rei senhor?


- És meu rei senhor?
A voz baixa e insegura provinha de um pequeno indigente que surgiu, não se sabe de onde, e prostrou-se ao seu lado com ar suplicante. Não devia Ter mais de oito anos e exalava um fétido odor de urina.
Transtornado por perder a linha de algum dispensável raciocí­nio e por sentir-se afrontado pela insistência dessas insuportáveis crianças pedintes que margeiam a vida e insistem em lembrar-nos da miséria em que vivemos e somos patrocinadores.
"Como se já não tivéssemos problemas suficientes em nossas vidas". Pensou.
- To sem dinheiro moleque, sai fora!
A malcheirosa boca contraiu-se e , timidamente, desceu o outrora radiante olhar. A baixa voz fez-se quase inaudí­vel.
- Não nobre senhor. Entendeste-me mal. Não é seu dinheiro que anseio. Preciso encontrar meu rei senão meu pai não me deixará voltar para casa, é derradeira minha chance. Por isso peço desculpas pelo transtorno causado a sua magní­fica pessoa, mas suplico: És meu rei senhor?
- Tá maluco! Cheirou cola moleque? Vai a merda e me deixa em paz. São cinco da manhã e tenho um puta dia de serviço pela frente.
Com um forte empurrão afastou-o dali. A criança titubeou um pouco, manteve os olhos baixos e sentou-se em outro banco do coletivo de onde começõu a fitar timidamente seu senhor.
Tentou voltar ao antigo raciocínio porém, como não lembrava qual era, procurou outro.
- Como sabes que não és o rei dele?
Agora quem o importunava era um ancião que estava sentado ao seu lado. Irritado esbravejou:
- Puta que o Pariu! Só tem louco nesse ônibus de merda?
- Loucura é uma questão de porcentagem. Pergunto-te, porque achas que tem dignidade o bastante para não ser seu rei?
Apesar de irritado, o senhor analisava confuso aquele velho com sua voz grave e rouca. Os dentes, visivelmente, eram poucos e estragados, seu rosto era coberto por profundas rugas. Apesar do deplorável visual, sua fala e seu penetrante olhar impunham respeito.
- De que merda está falando?
Indagou sem saber aonde o velho queria chegar.
- Acreditas realmente que um rei é dotado de atributos que o diferem tantos dos demais que o mesmo torne-se digno de idolatria José?
- Mas que porra é essa? Como ce sabe que meu nome é José?
- E porque não seria se tantos o são?
José agora estava mais confuso do que nunca, começou a observar mais atenciosamente o nebuloso ancião. O velho carregava vários livros e usava uma velha blusa de lã com a gola alta de onde saia seu fino e torto pescoço. Junto com o adunco nariz proporcionavam-lhe um aspecto rapineiro. Ele permanecia sentado sereno e curvado com as ossudas mãos sobre os livros onde José conseguia identificar apenas o tí­tulo: "O Espí­rito Subterrâneo".
- Rei prá mim só existe um, que é nosso Senhor Jesus Cristo que foi eleito por Deus. Nenhum rei feito pelo homem tem valor.
- Se não existem reis para ti José, porque segues fervorosamente a tantos e espera ansioso por outros mais?

Um comentário:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

Muito bom esse texto. Fantástico, aliás, eu fico me questionando se tbm não sigo demais aos outros.
Suerte