07 julho, 2023

PORRA, SÃO MINHAS VÍSCERAS!


 - Porra, são minhas vísceras! - Exclamava mentalmente enquanto percorria com os olhos a linha rubra brilhante que se espalhava pelo asfalto chegando à sua barriga.

O emaranhado de tripas e outros órgãos indistinguíveis tomava um aspecto plástico por não estarem ocupando seus lugares devidos dentro da confortável concavidade do corpo. 

Ele pensa se deveria tomar um atitude e recolher tudo para dentro de si novamente, mas lembrou que não conseguiria reconhecer cada órgão e nem saberia em qual local cada um pertence. 

- Se eu colocar o pulmão no lugar do coração e o ar começar a circular em minhas veias, começarei a levitar? Se colocar o coração no lugar do estomago, começarei a digerir sentimentos?

De qualquer forma percebeu que suas mãos não mais também lhe pertenciam, então qualquer ideia de recolhimento deveria ser descartada.

- Esse asfalto está muito quente, sinto minha bochecha em carne viva.

Em vão tentava se mover, não mais havia músculos sob seu comando. Cansado de todo esforço que não fez decidiu dormir com a leveza de alguém que não precisava controlar mais nada.




28 junho, 2023

Fragmentos de mim

O meu eu fragmenta-se eternamente na cadencia do relógio....o meu eu da madrugada, o da insônia, a odeia. Não entende o interesse e paixão. Só vê o sofrimento desnecessário que não o deixa dormir no torturante passar de horas revirando suado no colchão. Promete a si mesmo que dará um fim nessa conta que não fecha, nesses parcos dias de felicidade imensa mendigados em troca de agonias semanais em que sabe que a escolha é a cama de outro.

O meu eu sonolento se arrefece dando espaço para o eu da manhã. Esse, ainda entorpecido pela noite em claro, permanece em uma agradável indiferença. É um alivio pelo terror molhado da madrugada. Ainda assim sabe que não tem lógica a situação em que se meteu. O problema é quando começa a acordar de verdade, e isso demora um pouco. Então começa o eu da tarde.


O eu da tarde sofre com a ausência, ele torce a conta matemática e a necessidade daquela companhia o atormenta. O eu da tarde espera qualquer biscoito oferecido, qualquer petisco jogado. Espera algo que nem sempre vem. O eu da tarde não sabe o que fazer, cancela a decisão tão certa dos dois eus anteriores. O eu da noite chega sorrateiro.


O eu da noite chora e abre espaço pra insônia que fatalmente chegará pra começar tudo de novo.


O meu eu da madrugada...




05 maio, 2023

Gritos altos para ouvidos moucos

Bianca berrou em um suicídio, a forma mais alta que se pode pedir ajuda, o grito mais estridente para perguntar se alguém sente algo por si, se alguém se importa. O grande problema dessa estratégia é que não se está mais lá para ouvir a resposta .

Já Jéssica, sozinha, vai morrendo aos poucos, em gotas já que, moça tímida, nunca foi de alarde.


Eu canto, suplico, lastimo, não vivo contigoSou santo, sou franco, enquanto não caiu, não brigoMe amarro, me encarno na sua, mas estou pra estourar, estourar
Eu choro tanto, escondo e não digoViro um farrapo, tento o suicídioCom caco de telha, com caco de vidroCom caco de telha, com caco de vidro
Só falo na certa repleta de felicidadeMe calo, ouvindo seu nome por entre a cidadeNão choro, só zango, resisto, fico no lugar, no lugar
Eu choro tanto, escondo e não digoViro um farrapo, tento o suicídioCom caco de telha, caco de vidro

12 abril, 2023

22 março, 2023

Mas ah, que já não era sem tempo!




Impressionante o furacão que se forma de uma hora pra outra. Em um momento o whatsapp é uma bela ferramenta de comunicação onde combinamos exploratórias dolorosas e afogamentos em fundo de garrafas nos botecos com amigos e, de repente, um rosto antes desconhecido invade a tela e começa a aparecer no topo da lista tomando a frente qual um filho da puta de um cavalo de corrida azarão, tornando-se a mensagem mais esperada da ferramenta. É um estar confortavelmente incomodado, um medo feliz que faz ferver a cabeça com planos infinitos e mirabolantes de fantasias sexuais, pratos elaborados, viagens baratas, tatuagens vagabundas e hálitos eternamente trocados pelo tempo que durarem os caralhos desses hormônios.

Agora a vida se limita a esse hiato, esse eterno esperar do encarar aqueles olhos. De que adiantaria cobrar exclusividade quando não sobra espaço para mais nada? Quando meus pensamentos estão completamente tomados por essa porra dessa febre que agora consome minha lucidez?
Sem tempo e espaço pra mais nada, troco a parte que me cabe por qualquer pedaço doado desse osso jogado a que eu corro atrás feliz e salivante.