29 setembro, 2006

Volume

Enfio a porra dos fones de ouvido por dentro do meu canal auricular quase até chegarem dentro do meu cérebro.
Pouco.
Aumento o volume no iconezinho no canto inferior direito da minha tela até o fim.
É muito pouco.
Abro a configuração de som do windows e coloco todos os botóes no talo.
Que merda, ainda é muito pouco.
Queria esse adagio em um volume que estuprasse minha alma. Queria um volume tão alto que eu não pudesse ouvir meus pensamentos. Puta merda, não aguento mais ouvir meus pensamentos.

26 setembro, 2006

Capitalismo Selvagem


Eu nunca ataquei o capitalismo, aliás sempre achei os anticapitalistas de uma ingenuidade irritante. Atacar é fácil, quero ver quem encontra uma solução melhor. São um bando de desocupados que tremem de medo pela própria incompetência em conseguir sucesso. Como não conseguem conquistar, atacam.
Sempre trabalhei em bolsa de valores e me dou muito bem com isso. Falam que tenho um certo "feeling" para entender o mercado. Eu percebo o que todos querem consumir, o que estão ávidos em comprar. Então invisto o dinheiro e me dou bem. Fiquei rico dessa forma, entupi o cú de grana. Grana que não deixo de consumir.
Até que eu te encontrei, puta maldita. Eu consumo e gosto que consumam. Mas você...
Realmente seu consumismo me incomoda, principalmente quando o que é consumido sou eu.

17 setembro, 2006

No fundo seguro de uma caixa escura, enterro tuas fotos.


Aline estava sentada no chão de seu apartamento. Sentia um desconforto estranho enquanto guardava as fotos. Nunca tinha tido o costume de bater fotos, e as poucas que tinha deixava protegidas e escondidas no fundo de escuras caixas. Nunca as espalhava pela casa, nunca sentiu necessidade de viver do passado, que é o que as fotos representavam para ela.

Mas há um tempo atrás algo aconteceu, ela mudou. Apareceu uma pessoa cuja presença queria constante. Nesse tempo sentiu vontade de fazer uma espécie de altar, queria se sentir acompanhada mesmo quando estava só. Pendurou fotos pela casa inteira, queria cada pedaço daquela vivência registrada, inundando aquele pedaço que sempre fora só seu.


Infelizmente a atitude não foi recíproca. Para o outro a presença não se fez tão constante e, pouco a pouco, se esqueceu de Aline.

Agora enquanto guarda as fotos sente uma dorzinha incômoda no peito. Olha demoradamente cada foto em uma despedida solene, tenta separar os sentimentos que as acompanham. Percebe que, conforme as deposita no fundo da caixa, vai voltando a antiga vida. Não gosta disso mas não tem opção.


Então Aline olha para as paredes nuas e percebe que nunca mais pendurará fotos nelas.

11 setembro, 2006

Desgraça pouca é bobagem



Minha geladeira pifa quando, finalmente, cheia. Estragou a maioria do que tinha dentro, mas tudo bem sou um otimista. Logo depois, a mulher que ia ser minha esposa, envelhecer comigo, assume que está perdidamente apaixonada por outra pessoa. Sem problemas, eu sou brasileiro e não desisto nunca. Então meu filho me telefona, finalmente algo de bom, penso. Ele me pede um presente de R$ 500 de aniversário. Então resolvo deixar pra consertar a placa da moto no mes que vem, já que tenho presentes, geladeira, faxina, passagens, contas e mais uma porrada de coisas pra pagar com o que sobrou do meu dinheiro.

Depois de tanta desgraça para um fim de semana tão curto, achei que hoje seria melhor. Afinal, segunda feira, inicio de nova semana, começando tudo de novo.
De manhã, vindo cedo pro trabalho, me param em uma blitz e apreendem minha moto.

É a vida, é bonita e é bonita. no gogó...


Música: Meu refrigerador não funciona (mutantes)

08 setembro, 2006

alfabetização solidária

Nada contra a idéia, apesar de que não entendo a existência de um governo que não serve pra nada. Tipo, nós abdicamos da nossa liberdade, seguindo leis impostas para que tenhamos um "ente" que nos providencie educação, segurança e saúde. É uma troca, pagamos caro com impostos e liberdade para que tomem conta de certos aspectos da vivência em sociedade que são difíceis de trabalhar, tentamos nos livrar da responsabilidade abrindo mão da liberdade. Mas pagamos um serviço que não nos supre, que não funciona. Perdemos a liberdade e pagamos os impostos mas a responsabilidade continua sendo nossa. Somos responsáveis pela educação, temos que ser solidários, somos responsáveis pela violência quando compramos drogas (a culpa não é da ilegalidade instituida pelo governo, é do cidadão), somos culpados por todas mazelas sociais que atingem as minorias (assunto que ainda quero escrever sobre). Você pagaria por um encanador que não conserta o vazamento? E que, além de tudo, coloca a culpa do vazamento em você e te manda consertar?

Bom, mas o que eu queria falar não é nada disso, como eu disse, sou completamente a favor do voluntariado, acho que somos todos responsáveis pelas merdas todas, apenas não precisamos de governo já que fazemos o serviço dele. Quero falar a respeito de uma propaganda infeliz. Propaganda que ja tinha sido veiculada e saiu do ar por um tempo. Imaginei que tinha sido sob protestos de telespectadores indignados quando, repentinamente, ela volta a ativa. A propaganda tenta incentivar o investimento em alfabetização mostrando uma empregada doméstica que pode cozinhar melhor para sua patroa pq pode ler. É lógico que nunca nada é feito por desinteresse, nem que seja para pagar um alivio de consciencia, tem que existir uma recompensa. Porém esse enfoque, pelo menos para mim (e parece que só para mim), vai completamente contra o princípio que deveria nortear esse tipo de propaganda

Enfim vai o link da propaganda para quem não sabe do que estou falando.

http://www.alfabetizacao.org.br/aapas_site/ascampanha_video.asp


Vamos todos juntos alfabetizar para que a dona Maria tenha um prato chique e bem preparado. O próximo passo serão aulas de francês.


"quando acabar o maluco sou eu"


E um blues de sugestão para sobremesa: Worried life blues

05 setembro, 2006

Conto de Morena Noite

Texto antigo.



É sexta-feira e os lobos uivam nesta noite, clamando pelas possibilidades não tentadas.
A pálida lua faz-se alta, ensandecendo mentes solitárias e inspirando pensamentos inimagináveis na rotina do dia.
Está na hora! Inicia-se a frenética busca da recompensa esperada de emoções devidas pelos dias de labuta.
Absorto em vagos pensamentos, aqui me encontro, novamente protegido pela anonimidade que somente as trevas nos concedem. Imerso neste mundo que já me é familiar rumo instintivamente ao meu destino.

No carro, cujo rádio faz-se ausente, meus lábios cantarolam inconscientes, embalados pelo metódico pulsar da noite Campo Grandense. O azedo cheiro de vinho recentemente derramado sobre o estofado esvai-se. Luzes cortam a espessa atmosfera plúmbea da garoa formando riscos luminosos que sangram momentaneamente a pele da negra noite. O resto de mim cala-se. Cala-se cerimoniosamente em respeito às inúmeras portas já ultrapassadas e às que ainda encontram-se cerradas à espera de sussurros que as libertem de seus pesados ferrolhos.

Quais possibilidades surgirão e quais se extinguirão? Que odores, sons, gestos, gostos ou texturas testarão os sentidos de seu inconseqüente narrador?

O amarelo piscar do marcador do tanque de combustível insiste em lembrar-me do iminente fim de mês e, conseqüentemente, da minha lastimável situação financeira.
Dou meu último trago no cigarro enquanto estaciono em frente à porta semi-iluminada. Desprovido da vermelha reluzente armadura de metal aspiro o inebriante, suave e conhecido odor exalado pelos serenos ocupantes da calçada em frente ao estabelecimento no momento em que seduzem suas fêmeas Marias.

Não me protejo da chuva, não é necessário. Pelo contrário, o gelado afagar de seu pranto escorrendo pela pele deixa-me extremamente relaxado.
Nenhuma placa a identificar o lugar. É assim que deve ser...
Subo a íngreme escada que dá acesso ao interior do recinto. Ao meio vê-se a mesinha marrom já surrada pelo tempo usada como caixa para o pagamento das entradas. Soltas, duas moedas rolam tilintando e correm fugazmente sumindo, em seguida, dentro da gaveta. O anfitrião estuda uma grave, porêm inofensiva feição e permite minha entrada.

- Hoje, no cardápio, digeriremos blues. Informa-me.

Sei! Penso comigo. Por isso, apesar de ter que madrugar para trampar, aqui me encontro.
Mas, doce ilusão, não me convenço, sei que é outro o meu motivo e continuo seguindo os estreitos degraus onde lê-se avisos sobre os perigos da escada aos embriagados transeuntes.

A visão que se tem em seguida aproxima-se de um sonho. Visões distorcidas pela fumaça dos cigarros onde feixes de tênue luz insistem em violentar a fugaz neblina. Suaves e adocicados perfumes femininos misturados ao acre odor do tabaco compoem o aroma que conta com uma trilha sonora mesclada de distorcidos instrumentos musicais, gargalhadas, o trânsito logo ao lado, agudas colisões de bolas de bilhar e espasmos vocais dos mais variados timbres, tudo misturado em uma imaginária competição de superação em altura, só controlada e parcialmente amenizada com a entrada da melancólica voz do vocalista da banda composta por habilidosos bêbados.

Cheguei em casa!

Aproximo-me do balcão reconhecendo, ao longo do torto percurso, amigos e um antigo rosto cuja contígua história retêm chagas ainda não cicatrizadas.

- Uma cerveja! Peço ao meu prestativo rival, tentando assim, consolar-me da decepção. Ela não está!

Munido de um cigarro em uma mão e uma garrafa na outra me dirijo a um escuro canto do bar. Sento-me em uma fria cadeira de metal já que o único banco de balcão existente encontra-se ocupado. Sorvo grandes goles direto do gargalo, assim me sou mais fiel.
Encontro-me finalizando agora mais um fino dragão e percebo que a deusa por mim buscada no fundo do recipiente de vidro âmbar já me embala. Enquanto isso o vocalista entoa seus lamuriosos versos que contam a história de alguém que festeja sua solidão.

Do meu canto aprecio as pessoas nas suas discretas tentativas de auto-afirmação enquanto tento me concentrar nas minhas próprias.
Mulheres já tombadas em meu leito desviam os olhares assustadas esperando não serem reconhecidas, e não desrespeitarem assim os seus atuais proprietários. É impressionante como esse tipo de atitude, apesar de ser de uma enorme trivialidade, ainda me espanta.

- Mais uma! Ao eficiente rival de novo me dirijo. Ele sacode a cabeça alinhando os atributos que os levaram a adquirir seu pseudônimo e me atende.

Num instante, faz-se silêncio. Percebo uma crescente tensão no ar. Algo acontecerá. Acordes reverbam Suspicious Mind. Presságio? O ar pesado se dilui e começo a vislumbrar sua forma. Inicialmente apenas a silhueta, cercada por entes que disputam sua atenção. Então a imagem fica nítida e me deleito com a visão de um sorriso, que, se pudesse ser definido, situá-lo-ia na fronteira entre o sacana e o ingênuo. Afasto-me, retendo-me na minha insignificância entrincheirada em meu orgulho. Ao longe, contento-me ao exercício de platônicamente admirar minha musa. Ainda não...

Segura em seu pedestal de mistério e inacessibilidade dança sorrindo por trás do balcão, sua indiferença provoca-me ainda mais.
Desvio o olhar para o show, indagando se minha presença por ela é notada. Meu ligeiro rival não pára, porém não se ausenta por muito tempo.
Viro-me novamente e, imaginem caros amigos, encontra-se ela ao meu lado. Sorrindo enrubescido teço imbecis comentários a respeito da música que toca ao fundo. Encantado, contemplo o brilho do seu rosto e o suave e hipnótico arfar de seus fartos seios ao comentar sobre minha, já constante, visita (bom sinal! Não passei despercebido).

Discutimos amenidades, tento impressioná-la contando bravos feitos como se fosse uma animal expondo suas qualidades para convencer a parceira a escolhê-lo, porém, não posso fazer-me óbvio, meu atento rival encontra-se à espreita. Inseguro finjo indiferença, mas o diálogo é interrompido... sutilmente meu sagaz rival fez-se presente.

Afasto-me calmamente em direção à saída com um sorriso que insiste em estampar-me a face.
Palavras invadem minha mente em tão grande quantidade que me atormentam, queria eu ter competência para, em lógico sentido, poder ordená-las.

Agora parto à minha humilde e solitária moradia atropelando esporádicos reflexos.
Talvez ela nem tenha percebido, mas enquanto se enlaça em meu afortunado rival, um pedaço do seu pensamento já me pertence, e basta para que, em propícias ocasiões, continue a ser cultivado.

Sedução, meus caros amigos, é um doce vício do qual ninguém quer se curar.

E o fim desta história? Indagam-me os curiosos leitores cuja honra foi-me dada por terem conseguido até aqui chegar. - Também anseio por sabê-lo - Respondo-lhes. Infelizmente, tal desfecho não me foi revelado, pois nas entranhas do destino encontra-se ainda trancafiado, esperando, talvez, a próxima noite de Sexta para acontecer. Quem sabe?


Apenas sutil
Mais noites virão
Não foi por agora,
Mas outras serão




Morre a noite,
A garoa acaba...
Os sons já são outros,
Retorno para casa.




Dormem lobos, acordam ovelhas.