08 setembro, 2016

Pêsames pelo aniversário

Não vou te desejar feliz aniversário porque sei que estás triste.
Entendo o motivo e, se fosse tu, morreria a cada ano.

Todo aniversário te lembras da própria existência, eu não suportaria tal recordação.
És a pessoa mais desprivilegiada que conheço, a mais infeliz.

Já que és a única que não pode ter noção do que é viver contigo,
a única que não pode te beijar,
a única que não pode conversar contigo e, dessa forma, poder se surpreender com a imensa inteligência
a única que não pode sonhar a cada segundo quando irá te encontrar, imaginar que roupa estarás vestindo e que palavras ouvirá de tua boca.

Não tens como imaginar a espera ansiosa pelo bater de portão que anuncia tua chegada, mas, pior do que tudo somado, merecedor de um tiro nas têmporas, és a única que não pode trepar contigo.

Estás impedida de todos os melhores prazeres que podem ser aspirados por um ser humano.

Por isso te dou meus pêsames em teu aniversário.
O parabéns é para mim.


Na distante Campo Grande
em um longínquo 23/11/2004

07 março, 2016

dos gostos que dois litrão e um maço de cigarro tiram de sua boca

Um dia amargo o conduziu aquele bar. O céu pesado com uma garoa intermitente o levou ao refúgio da última mesa que oferecia alguma proteção contra o tempo e a multidão. Sentou sozinho. Pediu uma cerveja forte para combinar com aquele dia, um litro de uma vez para não ter que aturar a desatenção do garçom. Sorveu grandes goles, sofrego por uma rápida ebriedade. Com esquivas olhadelas às pessoas em sua volta, identificava alguns rostos conhecidos e uma ou outra fisionomia mais interessante, porém voltava-se sempre ao caderno. Queria gastar a tinta da caneta, encher folhas e esvaziar a cabeça.

Conversas acaloradas sobre política e outras mais amenas sobre projetos em andamento e seus conflitos laborais eram percebidas o meio da balburdia geral. Alguém afinando um violão dava a estranha impressão que tudo não passava de um tipo de música descompassada.

Embalado pela estranha canção lembrou de amores passados cuja história compartilhava o mesmo ambiente. Lembrou de alguns queijos finos apodrecendo na geladeira e duas garrafas de vinho que o conduziam à melancolia da mesma pessoa. Um corpo esguio vestido de preto, olhos verdes felinos, cabelo loiro e um comprido pescoço agora o assombravam. Sem propósito nenhum além do tormento, pois não tinha mais direito de pensar nela, já que o isolamento havia sido decisão sua. Sofre sem direito, padece por sua inventada doença.

Pediu a conta e foi-se embora se masturbar à fraca luz de seu apartamento, escondido por uma forte autocomiseração. Tudo era, afinal, o preço pago pela sua cruel necessidade da utópica independência.

Mas, no caminho pra casa, percebeu na língua um gosto doce da noite.