21 março, 2013

A safada da janela


Não sei seu nome, aliás não sei quase nada de sua vida, apenas duas coisas: que mora em um apartamento que fica mais ou menos no meio do prédio em frente ao meu e que ela determina a rotina de muitos homens, rapazes e algumas mulheres dos prédios em volta, assim como a minha. Como sei? Por mim e pelos barulhos e silhuetas que escuto e vejo nas janelas em volta toda manhã.

Imagino que alguns solteiros possam ser indiscretos e mantenham as janelas escancaradas ficando em pé, sem nada a esconder ou medo de serem vistos enquanto observam. Não é meu caso, sou casado e não posso cometer essas explicitudes, creio que muitos assim o sejam. Sei que todos levantamos mais cedo do que precisamos só para observá-la.

O celular vibra, acordo em silêncio, não acendo a luz para não despertar minha esposa, saio devagar da cama e vou pra janela. Tenho um ótimo ponto de observação, meio pra cima e reto em frente ao seu apartamento. Escuto sussurros, pigarros e outros sons que indicam que não sou o único já acordado fazendo parte daquela platéia.

A janela em seu quarto tem cortinas brancas completamente transparentes e que hoje estão abertas. Nessa manhã ela veste um short jeans minúsculo, o meu preferido, e uma blusa branca branca rasgada nas mangas e cintura. Consigo entrever os mamilos através do espaço aberto pela manga ausente enquanto levanta o braço para regar as plantas com um copo. Os seios nus acompanham-na em uma dança com alguma música que não consigo ouvir.

Momentaneamente ela some, imagino que tenha ido tomar banho e penso na vida feliz das esponjas. Minha esposa emite um pequeno suspiro e vira de lado na cama, felizmente sem despertar.

Depois de pouco tempo a vizinha retorna envolta em uma toalha, como sempre. Pega o vestido, levanta-o esticando os braços e, em um movimento único, deixa-o escorregar pelo seu corpo enquanto a toalha cai. É por esse espaço entre o vestido e a toalha percorrendo seu corpo nu que todos esperamos, essa janela dentro de outra.  Sinto os olhos do meu prédio colados naquela vidraça. Ela sabe disso, faz o show porque nos excitar a excita.  Nossos olhos se cruzam quando olha pelos prédios em volta para conferir o sucesso de seu espetáculo. É quando abre um sorriso, vira o corpo e sai pela porta afora, sinto os aplausos mesmo que não existam.

Ela sabe que gostamos de observar.

Minha esposa desperta quando sento de volta na cama.
- Já acordado?
- Estava olhando você dormir - digo enquanto enfio minha mão entre suas pernas.

19 março, 2013

o ato de não agir



Não posso descrever como veneno,
não o é por não ser algo que se administra,
mas dói igual
é como se fosse vida que, de ausência, mata
assim que é
a cada dia que passa,
o tempo puxando as vísceras
me enchendo com o vazio deixado
pelo teu silêncio

14 março, 2013

Licantropia


Eu tento, eu juro que tento. Todo dia aumento os sulcos do tampo de madeira de minha mesa arranhando-a com a ponta de minha pena. Tento, dessa forma, afastá-la do papel e digo a mim mesmo, como uma espécie de oração ou solicitação de clemência, que não vou te escrever, que não existe dica mais clara para deixar-te em paz que tua ausência.

Não consegui. Essa merda de barulho ensurdecedor que só as coisas caladas fazem não me deixa em paz e empurra a tinta pro papel. Como meu peito me obriga a ver as coisas de determinada forma, minha vista fica nua de razão e acabo por entender tudo como conivência, até o silencio, por mais escrachado que seja o desprezo.

Agora te peço, sob o apelo até de misericórdia, um golpe final e eu retorno a minha quotidiana mediocridade. Puta que o pariu sua filha de uma puta, responda-me essa porra de carta nem que seja para me mandares à merda, caralho!

13 março, 2013

12 março, 2013

parado e empurrado

Passeio, no momento, em uma esteira rolante infinita
essa esteira percorre ruelas bem estreitas onde mal cabe a largura de meus ombros
meus braços quase roçam as gigantes vitrines que cercam essas vias
a vida acontece la dentro, protegida de mim por uma camada intransponível de vidro.
Quando vejo algo interessante, algo que me faria esmurrar e quebrar o isolamento, é tarde. Olho ainda para trás mas percebo que estou velho e a esteira já me carregou para longe,
então volto a olhar pra frente, resignado a ser conduzido

Estou desesperadamente desinteressado de tudo.