28 outubro, 2015

Cartas nunca enviadas

Em determinadas noites, quando presenças estrangeiras que por algum motivo não posso assediar invadem minha casa, eu cedo minha alcova solitária e o colchão virgem. Nessas noites, geralmente quentes ou frias demais (pois eu, cuspido morno nessa vida, já tive meu impossível tempo de extremos), quando corre a lua no céu imenso que enfeita minha pequena janela, pego o velho colchão que habita embaixo da minha cama e o jogo no chão do quarto abandonado, lá ele fica, amassado entre os móveis do espaço exíguo. Deixo-o nu e deito-me naquela vala antiga, deformada na espuma por corpos pesados em sonos difusos nas manhãs lentas de tempos passados. Dias preguiçosos onde tua presença, fugida da universidade, abria meu portão com um barulho nostálgico que me acordava feliz. Teu vulto, talhado no sol que entrava pelos vidros da sala, invadia minha cama pelo pé, levantava minha coberta e se aninhava, quente de rua, em meu peito sonolento. De pés trançados fodíamos o mundo.

E então, algumas vezes nessas noites, deitado no colchão sujo de nós dois, eu lembro.

19 outubro, 2015

mais do mesmo, mas não pra mesma

E não me venha com essa ausência descarada. Nem com esse ultimo escarrar de palavras encerrando minha resposta com um bater de porta na cara. Isso é coisa de casal, algo que não somos mais.
Não adianta sair pisando firme, nem franzir o cenho e amarrar esse bico na cara (apesar de ficar linda com ele). Você não me odeia por causa dos meus pensamentos. Você me odeia porque vê sentido neles, os entende. Você é fabricada pela mesma logica, a mesma matéria racional e insensível que constituem minha falta de crença. Então o que você odeia é a própria sensação de que, mesmo não querendo, algo se encaixa no meio desse monte de impropérios que vomito a torto e a direito.
É quando se esconde, tenta não pensar muito no assunto. Leva a vida em buracos cheios de pessoas desinteressantes e fúteis, preenche seu tempo fugindo da própria forma de pensar, entra na multidão tentando se perder no meio de alguma festa esnobe. Mas sente que, beeeeem la no fundo, tua mente não te deixa em paz.
Sinto muito mas você nunca vai conseguir correr o suficiente para fugir do seu próprio raciocínio, por mais imbecis que jogue em sua cama. E é isso que te mata, é isso que você odeia, é isso que te rouba o sono a noite.
Na verdade você não me odeia, você se odeia ao perceber que é como eu.