28 outubro, 2015

Cartas nunca enviadas

Em determinadas noites, quando presenças estrangeiras que por algum motivo não posso assediar invadem minha casa, eu cedo minha alcova solitária e o colchão virgem. Nessas noites, geralmente quentes ou frias demais (pois eu, cuspido morno nessa vida, já tive meu impossível tempo de extremos), quando corre a lua no céu imenso que enfeita minha pequena janela, pego o velho colchão que habita embaixo da minha cama e o jogo no chão do quarto abandonado, lá ele fica, amassado entre os móveis do espaço exíguo. Deixo-o nu e deito-me naquela vala antiga, deformada na espuma por corpos pesados em sonos difusos nas manhãs lentas de tempos passados. Dias preguiçosos onde tua presença, fugida da universidade, abria meu portão com um barulho nostálgico que me acordava feliz. Teu vulto, talhado no sol que entrava pelos vidros da sala, invadia minha cama pelo pé, levantava minha coberta e se aninhava, quente de rua, em meu peito sonolento. De pés trançados fodíamos o mundo.

E então, algumas vezes nessas noites, deitado no colchão sujo de nós dois, eu lembro.

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