17 novembro, 2011

Um conto comum

Maria se achava comum. Era justamente isso que pensava enquanto recebia o sanduíche com hambúrguer de Cláudio. Ele era o dono do bar e já a conhecia ha algum tempo pois era uma assídua frequentadora do local. Ele a trata com mais carinho e respeito do que o resto dos outros clientes o que a deixa orgulhosa e feliz. Maria nem se importa mais com aquelas eternas unhas sujas, nem com o suor que escorre por sua testa devido ao pesado avental branco com seu nome bordado que ele insiste em carregar por cima de uma camisa de manga comprida de mesma cor. O bar tem um cheiro azedo e um eterno calor emanado do fogão industrial e mantido pela ausência de janelas no estabelecimento. “O avental branco é para dar aspecto de limpeza e respeitabilidade” se justifica enquanto tira uma lasca da unha imunda com os dentes. Maria olha em volta e acha graça no comentário, o local, além de ser frequentado por bêbados inveterados dos mais miseráveis, possui uma sujeira impregnada que parece resistir a qualquer ataque de água ou produto de limpeza. Por baixo do prato de seu lanche, o balcão exibe uma mancha escura que lembra a figura famosa do chê Guevara.


- Viva la revolucion - pensa


Maria abre o pão exatamente entre o ovo frito e o hambúrguer, sabe que em qualquer outro local não conseguirá passar a suspeita maionese pois, de um lado o queijo e do outro a manteiga, irão grudar ao pão arrebentando-o. Pega a espátula, mergulha no pote com o creme branco meio aguado e o distribui o mais uniformemente que consegue. Ela não sabe muito o porquê, mas adora aquilo.

Ela costuma ficar até tarde e hoje decide permanecer no balcão ao invés de sentar em uma mesa, prefere ficar conversando com Cláudio.

- Seu nome está errado no avental, Cláudio. Falta o acento.
- É desse jeito mesmo, de acordo com as regras gramaticais é assim que se escreve. Esse bando de palhaços que nunca se atinaram para isso que escreve errado, Claudio tem que ser sem acento.

Maria se lembra das regras de acentuação, sabe que tem acento mas resolve não contrariá-lo, vira a garrafa de cerveja e da uns tapas na base dela para as últimas gotas caírem. Claudio acha graça e ri. Nesse momento entra um rapaz de camisa preta e calça jeans. É baixinho mas musculoso, tem o cabelo cortado curto, quase careca. Se aproxima do balcão, puxa um dos bancos para perto de Maria e apoia os braços no tampo de madeira.

- Boa noite.
- Boa.

O estranho pede uma cerveja para Claudio, que não deixa claro se entendeu ou não. Fica concentrado tentando limpar o batom de um copo com um pano sujo.

- Você já reparou que é a única mulher do bar?
- Algumas vezes vem uma ou outra prostituta, mas como aqui ninguém tem grana elas não ficam muito tempo.
- Você não tem cara de prostituta.
- É porque não sou, se fosse não estava aqui. Além do mais não gosto tanto de sexo assim.
- E também não se veste como uma. Se fosse eu não poderia estar aqui conversando com você, não tenho dinheiro.
- Eu sou funcionária pública.
- Parece tão nova pra isso. A imagem que eu tenho de funcionários públicos são velhas com fiapos brancos de barba e braços cabeludos.
- Também não sou tão nova.
- Eu fiquei muito impressionado e intrigado com você sozinha aqui.
- Não tem com o que se impressionar, sou a pessoa mais comum que você já conheceu.
- Mulheres geralmente andam em bando ou estão com namorados. Sozinhas, no máximo, em shopping ou outro lugar extremamente aborrecido e seguro.
- Odeio esses lugares e não ando em bando.
- Então não é comum.
- É preciso muito mais do que isso para não ser comum
- Ser mulher e não andar em bando? Já é o suficiente. E esse livro que você carrega ai na bolsa? Se for uma bíblia eu retiro tudo que disse.

Maria retira um pesado volume da bolsa e mostra ao estranho, em letras azuis le-se: "O Idiota".

- Sou ateia, não poderia ser uma bíblia.
- Putes. Dostoiévski? Mais um ponto para a tua anormalidade.
- Não considero anormalidade como qualidade e também não concordo com sua afirmação, ele é um dos autores mais famosos do mundo.
- Tudo bem, todo mundo conhece, mas ninguém o lê.

Claudio entrega a cerveja para o estranho, ele percebe que está quente mas não reclama. Vira no copo que fica cheio de espuma.

- Um copo pra garota por favor.

Claudio só levanta uma sobrancelha. Ainda esfrega o copo com batom.

- Não precisa Claudio, obrigada.

Vira para o estranho e fala:

- Já tomei uma garrafa, está bom para mim.
- Não quer ficar bêbada?
- Prefiro a lucidez, mas não tenho nada contra, fique a vontade.
- E um baseado? Tenho aqui. É capaz até de ter um restinho de coca. Anima?
- Muito obrigada. Prefiro realmente a lucidez. Já experimentei e usei bastante tudo isso, mas cansei.
- Meu, você está me intrigando cada vez mais. Me impressiona pela total ausência de vontade de impressionar que você tem. E vai outra característica peculiar sua: estar nesse lugar aqui, que não tem o menor glamour, cheio de bêbados e pessoas simples. Ta certo que você está no balcão, pode ser que venha aqui pra ficar dando uma de esnobe. É isso?

Maria acende um cigarro e dá uma baforada sem paciência. Pega uma latinha vazia pra usar como cinzeiro.

- Conheço quase todo mundo daqui. Estou no balcão hoje, geralmente fico nas mesas conversando papos comuns.
- Ta vendo!!! Isso não tem nada de comum, ninguém tem interesse na vida rotineira dos outros. Você não tem nada de normal.
- Não vejo isso. O incomum não passa despercebido, eu não chamo atenção, nem pretendo.
- Não existe nada mais comum do que chamar a atenção. Aliás isso é outra característica incomum sua: só estamos falando de você porque estou perguntando. Você é a única pessoa que eu conheci que não fica tentando ser o centro da conversa e atenção, parece não se importar com isso.
- Não gosto de falar de mim, me incomoda, além do mais já deu a minha hora. Muito obrigada pelo papo e pela companhia. Tchau.

Maria pega a bolsa que estava sobre a mancha do Che, se inclina apoiando a barriga no balcão e dá um beijo na bochecha de Claudio que ainda tenta tirar o maldito batom com o pano sujo. Ela se vira para o estranho, levanta o braço que segura a bolsa e diz: “Viva la revolucion”.

Não se volta para olhar a cara confusa do estranho ao se afastar. Até que o achou bonito e charmoso, ficou com vontade de trepar com ele mas suspira: “Pena que ele é muito parecido comigo, tão comum”

01 novembro, 2011

Ataliba em: E que venha a porra do mes de novembro

- Não vou postar aqui, vai que teu namorado é ciumento
- Não sei rsrsrsrsrsrsrs

Ataliba demorou mas finalmente se atinou, o problema quando concedeu à filha da puta da genoveva a possibilidade de afetá-lo é que, da mesma forma que isso lhe proporcionou momentos inesquecíveis, teve a capacidade de transformá-los em enorme merda com a mesma facilidade.

Agora tudo parece fragmentado, ações desconexas em um pesadelo: Uma caçada de personagens desconhecidos mas que, na verdade, possuía um único papel definido e era o dele, como pato; musicas que rememoravam momentos excitantes assumiram um tom irônico e cruel; viagens lindas que se demonstraram insossas e indiferentes nos lábios de genoveva; Fotografias especiais estragadas, manchadas pelas legendas ocultas dos pensamentos tristes daquela cabeça retratada; Frases esporradas em todas as outras orelhas, na ordem decrescente relativa a capacidade que os sedentos ouvintes teriam de lhe fazer mal, preferia sempre os que ele mais odiava. As frases chegavam risíveis em todos ouvidos menos nos dele, os únicos para os quais deveriam ser dirigidas; E uma bela de uma sedução coletiva, corroendo um puta de um sentimento do caralho com a ferrugem tóxica da mentira.

“tava na cara” talvez digam alguns, o desfecho era previsível. mas, como sempre, c'est la fucking vie.

Tem gente que faz musica sertaneja, eu escrevo nessa merda de blog

"sua idade passou deixe de prosa, mulher nova bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor”
Obs. É... Putaqueopariu, as vezes é com dor mesmo.

26 setembro, 2011

Dust to dust

Penso que tinha uma música ao fundo, qual eu não lembro bem, podia ser a “should i stay, should i go” do the clash, mas não tenho certeza. Vagueiam em minha mente também uma sala bagunçada, uma garrafa de tequila aberta, sal pelo chão grudento, um copo com whisky ao lado de uma rede pendurada no meio da sala e alguns limões secos em cima de um banco de madeira. Espalhados tinham vários copos de "shots" sujos que pareciam roubados de diversos lugares diferentes pois alguns tinham inscrições e cada um tinha um estilo, não faziam parte de um conjunto. Lembro muito do cheiro forte de cigarro e dos vários cinzeiros lotados. 
Só sei que em determinado momento da noite, especificamente quando tocava essa música da qual eu não tenho certeza, ela se aproximou com uns olhos apertados, cravou-os bem no fundo dos meus parecendo que perscrutava os meus mais íntimos pensamentos, abriu a boca e me beijou. Senti a saliva ácida picando minha língua feito um enxame de vespas, o gosto amargo desceu pela minha garganta entorpecendo-a. Ela enfiou a mão por dentro da minha calça, pegou forte no meu pau e o apertou, levei um susto e soltei um gemido mas não larguei aqueles lábios. Foi quando afastou o rosto ainda sorrindo e disse: "Ateu filho da puta, não adianta, do pó viestes e ao pó voltarás”

21 julho, 2011

de que as segundas são uma merda até em sua origem

Naquela noite fria de domingo não era apenas seu próprio nome, que considerava insosso e indefinido demais (pouco feminino, reclamava para a mãe), que incomodava Téo. Estava com um sentimento estranho na barriga, sensação essa que tentava racionalizar. Se espreguiçava ao lado do namorado na cama revolta do sexo recém feito, o cheiro dos dois ainda pairava no ar e a respiração não tinha voltado ao seu ritmo normal. Mas alguma coisa não estava bem, a barriga era apenas a manifestação física de uma sensação nostálgica ruim que a assolava. Quando o namorado começou a dar os primeiros sons sibilantes, característicos de sua entrada nos primeiros estágios do sono, e relaxou os braços soltando-a, virou para o lado e acendeu um cigarro. Bateu as cinzas no chão.

As coisas não se encaixavam, o lugar, a cama, o apartamento. Na verdade percebeu que era ela quem não se encaixava naquela cena que parecia completamente artificial, montada para a atuação de outra pessoa. Analisando, percebeu que toda essa sensação de estranhamento era apenas a invasão de algo que ela conhecia muito bem, apesar de ter tentado mantê-lo longe desse relacionamento que estava gostando tanto. Era algo que a acompanhava em todos os casos que tivera e, inevitavelmente, havia entrado sorrateiramente e carcomido-os por inteiro.

Téo suportava a raiva e o ódio, sabia que eram sentimentos agressivos, porém, pelo menos, eram algo. Encarava-os como opostos, mas tão importantes quanto ao sentimento de paixão e de atração, todos inevitáveis, gerando-se mutuamente. O que agora a invadia era o oposto disso tudo, o contrário de sentir, a indiferença.

Deu uma longa baforada mirando a escuridão, sabia que o ato de dormir agora ao lado do namorado a conduziria por um caminho perigoso. Todos relacionamentos que conhecia descambavam para esse destino: situações constrangedoras que são suportadas apenas para manter um rótulo imbecil elaborado para dar satisfação ao resto da sociedade sobre um caminho que só diz respeito a eles. Por isso sempre foi avessa a todo esse relacionamento vendido em propaganda como um produto de prateleira. Nunca comemorou o dia dos namorados e jamais noivaria, entretanto sentia que se ficasse mais naquela cama, estaria seguindo diretamente para essa direção.

O namorado chega a levantar a cabeça ao ouvir a porta da frente do apartamento batendo mas, pensando ser sua imaginação e sem perceber a ausência ao seu lado, volta afundar a cabeça no travesseiro, tentando resgatar algum sonho interrompido.

21 junho, 2011

Fique longe dos meus pesadelos, por favor.

De vez em quando, aproveitando-se do breu das noites mais escuras, fantasmas do passado escapam e vem nos atormentar sob a forma de pesadelos, recordando-nos de sentimentos antigos que nem nos lembrávamos que existiam. Chegam com seus dedos finos e suas unhas compridas direcionando-os diretamente para a cicatriz, transformando-a novamente em uma porra de uma chaga fresca que faz toda aquela tortura já esquecida retornar e atrapalhar esse dia medíocre que já dura uma vida inteira.

Preciso desesperadamente de silêncio.

08 junho, 2011

Manuel Scorza é o mais foda

"O guarda ceifou-o com sua metralhadora. Assim se comprovou que o Menino Remígio padecia de uma doença incurável, porque a rajada que lhe fez voar a metade da cabeça mostrou que em lugar de miolos tinha uma moita de gerânios."

Manuel Scorza é o melhor, não canso de reler seus livros. Daria meu braço esquerdo pela cantata completa em espanhol. Aqui seus livros só existem em sebos.


06 junho, 2011

A caçada

Sentia saudades dos pés trançados. Agora na rede, são outros os que me prendem. Cheiro a nuca daquele comprido pescoço como se fosse uma carreira de pó e me entorpeço com o perfume daquela pele. Deparo-me com um laço que abro como presente. Pesquiso cada espaço do interior daquela boca com minha língua, bebo todo aquele hálito de acordar como um encorpado vinho antigo.
Mantendo o movimento ritmado me afasto para admirar aqueles olhos semicerrados e o vermelho da violência de nossas bocas marcado naquele rosto. Então percebo uma mancha rasgada, de mesmo tom mas líquida, transparecer no lábio inferior.
Grito, não pelos desenhos que são feitos em minhas costas por aquelas unhas, mas pela presença de um nova cicatriz que vai se formando dentro do peito. Caio cansado, olho para aquele sorriso sacana e só percebo que virei caça no momento em que sou abatido.

"Na velhice o sujeito nada faz
A não ser uma igreja que visita
Mas se um dia encontrar mulher bonita
Ele troca Jesus por Barrabás (e ele sabe o que faz)
Lembra logo seu tempo de rapaz
Diz a ela "Me ame, por favor"
A resposta que tem é "Não, senhor!
Sua idade passou, deixe de prosa!"
Mulher nova bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor"


https://www.youtube.com/watch?v=1iEMjYsull0

25 maio, 2011

O amor é fodido

“O amor é fodido. Nunca se sabe se estamos a dar ou a receber.”

- Miguel Esteves Cardoso, O Amor é Fodido.

17 março, 2011

Gostei disso

Assistindo Family Guy me deparei com a seguinte observação, achei do caralho:

"Você é a pior pessoa que eu conheço. Você vive dando em cima da mulher do seu melhor amigo...   ...E o que realmente me incomoda, é você fingir que é esse cara sensível que ama mulheres por suas almas quando tudo que faz é sair com as novinhas. Sim, eu saio com mulheres por seus corpos, mas pelo menos eu sou honesto com isso. Eu não compro uma cópia de 'O Apanhador no Campo de Centeio' pra elas e então recito uma interpretação de sétima série de como Holden Caulfield é profundo e intelectual. Ele não era. Ele era um metido. E é por isso que você gosta tanto dele: Ele é você. Deus, você é pretensioso! E você se ilude pensando que é um grande escritor, embora seja terrível. Quer saber, eu deveria saber que Cheryl Tiegs Não me escreveu aquele bilhete. Ela deveria saber que não existe 'a' em 'definitivo'. E eu acho que o que mais odeio em você é seu é sua mala liberal, de como nós deveríamos "Legalizar a maconha, cara," Como é grande coisa esmagar a classe baixa, Como viver sem teto é a pior tragédia da América. E o que você fez para ajudar? Eu trabalho no Sopão do Pobres, Brian. Nunca te vi por lá. Quer ajudar? Pegue uma panela! Ah, e dirigir um Prius não te faz Jesus Cristo. Ah, espere.. Você não acredita em Jesus Cristo, Ou qualquer religião que seja, Porque "religião é para idiotas." Quem diabos é você para difamar alguém? Você se deu mal na faculdade duas vezes. O que não é tão ruim como seu fracasso como pai. Como vai aquele seu filho que você nunca vê? Mas quer saber? Eu poderia perdoar tudo isso, Se você não fosse um chato. Esse é o pior de tudo, Brian. Você é só um grande, triste chato alcoólatra"

07 janeiro, 2011

Tocando no assunto

Novamente em busca da, tão distante, justiça.

Abandono parental é a palavra atualmente em voga no nosso sistema judicial, pelo menos na vara de família. Já que o aborto permanece ilegal e os pais não possuem o direito de decidir se estão em condições de criar um filho cuja fecundação já ocorreu, uma criança no ventre é um participante da sociedade que ainda não tem condições de se manter sozinho e deve ser sustentado. Parece que o sistema judicial percebeu que é importante a participação dos dois responsáveis pela existência desse ente no seu processo manutenção, o que ainda fica obscuro, escondido por uma grossa camada de poeira hipócrita gerada por milênios de uma sociedade machista e discriminatória, é que o atual processo de pensões praticado acaba dificultando a participação do pai na criação da criança, induzindo-o a um possível abandono parental.

Podemos perceber a discriminação do sistema por um atual caso onde a morte de uma mãe, com uma posterior entrega de guarda para o pai (nada mais óbvio), gera uma indignação na população brasileira ante a tentativa da família da mãe, mais especificamente da avó materna, a ter acesso ao filho. Com certeza, se fosse o contrário, o pai que tivesse falecido e a mãe desaparecido com a criança, o caso não teria nenhuma repercussão ou espaço na mídia.

O sistema judicial enxerga o pai como alguém em fuga, responsável pelo surgimento de um novo integrante da sociedade e que, irresponsavelmente, tentará se abster da criação dessa criança o máximo possível. Além disso, também pré conceitua o pai como o único ou maior provedor da família, ignorando o salário da mãe. Dentro dessa visão de mundo, os processos tentam determinar uma quantia de pensão que reflita o mesmo padrão de vida que a criança teria se vivesse com os pais juntos.

A situação se complica, e não é levada em conta pelos tribunais, quando o pai quer participar ativamente da vida do filho e, ao mesmo tempo, possui uma condição econômica similar ou inferior à da mãe. Como a pensão é aplicada por padrão considerando um pai omisso, quem age de forma contrária, ou seja, participativamente, acaba não tendo condições de atuar igualitariamente na criação dos filhos. Não estou falando da “guarda compartilhada”, outra palavra também em moda, como esse tipo de acordo só é possível com o aval da mãe, já que ambos tem que provar perante a assistente social que podem viver em harmonia, acaba se tornando uma utopia, difícil de acontecer em uma realidade onde poucos relacionamentos terminam tranquilamente, me refiro aqui à convivência de fins de semana, pedaço das férias e as demais esmolas comumente cedidas ao pai. Como ele já patrocina todos esses eventos da criança com a mãe, terá que pagar em dobro se também quiser te-los em seus momentos. Já que a pensão não é um fundo em um banco onde qualquer um dos pais possa retirar o dinheiro para gastos com a criança, ela é inteiramente utilizada durante a convivência com quem tem a guarda, seja pra comprar uma cadeirinha para o carro (da mãe), uma passagem (para uma viagem com a mãe), brinquedos (pra casa da mãe), gasolina (pra passear com a mãe), alimentação, etc. Ora, se o pai quiser conviver com o filho, terá necessidade de adquirir esses bens também para si, comprando novamente (e sem ajuda de ninguém) outra cadeirinha, uma passagem para passar o período das férias que lhe cabe, brinquedos, gasolina e mais comida.

Isso nos leva a conclusão: como o pai já contribui com uma quantia extremamente significativa do salário para o sustento do filho com a mãe (30% do salario bruto, deduzindo apenas os descontos obrigatórios, o que é um valor muito superior ao salário líquido real do fim do mês), pode acabar não tendo condições de arcar com o mesmo nível de participação quando está com a criança, ou seja, como tem que comprar (ou ajudar a comprar) o quarto e os brinquedos para o filho na casa da mãe, não terá como montar um quarto nem comprar os brinquedos equivalentes em sua própria casa, gerando uma sensação de frustração que, pelo menos por experiência própria e colhida em fóruns de discussão específicos na internet, podem levar ao desestímulo a convivência. Isso se torna ainda mais grave quando o pai não vive na mesma cidade que o filho pois pode impossibilitar definitivamente a convivência se não sobrar dinheiro para as viagens.

Imagine uma situação onde o pai vende 10 dias de férias para ter dinheiro para viajar e passar os 20 dias restantes com o filho. Desses 10 dias vendidos, 30% vão para a criança passar essas férias com a mãe e não com ele, que nunca terá o mesmo montante para gastar com a criança que, além dos 10 dias vendidos, ainda recebe mais 30% do pai. Isso acontece com qualquer outro provimento, inclusive o 13.

Quando o dois possuem condições financeiras similares e o pai quer participar ativamente da vida do filho, a pensão deveria servir para manter apenas os requisitos essenciais que derivam da guarda e que não são opcionais: metade da escola, do aluguel, da alimentação e afins. O resto deveria ser pago pelo pai diretamente ao filho e em sua companhia. Se a mãe pretende que a filha faça balé, o pai não deveria ser obrigado a patrocinar, deveria ter a possibilidade de investir sua parte em atividades que espelhem suas aspirações e ideologias, ajudando assim a formar um caráter mais complexo e maduro na criança, não dependendo somente das influências maternas. A parte que cabe às recreação e viagens também deveriam ser gastos nas horas de visita do pai, já que a mãe possui as mesmas condições e pode bancar as suas.

É claro que existem pais omissos mas, da mesma forma que existem mães que transformam crianças em fontes de renda estáveis por 18 anos, não podemos injustiçar uma parcela da população por casos específicos. Isso é pré-conceito.