30 setembro, 2020

dias quentes demais para estar aqui

Deitado na cama encharcada de suor, presente desses dias infernais que seguiram meu retorno, com a cabeça a mil tentando inventar motivos pra não pensar, crio textos desconexos e passo pro computador. Um vinho me chama sorrateiramente da minha cozinha, desprezo-o, ainda estou em horário de serviço e pretendo frequentar depois a detestável academia de ginástica, tortura a que me entrego para me sentir um pouco melhor comigo mesmo ao fazer algo em progresso a minha saúde e aparência. Talvez o único lado bom dessa inquietação que me compele seja a do retorno a preocupação com aparência, apesar de não estar bem certo se acho isso algo realmente positivo. Fico aqui, entre reuniões complexas e conversas de aplicativos, mascando a fumaça de cigarros que já prometi deixar e bebendo uma autocomiseração de agonias sobre relacionamentos impossíveis. As possibilidades, tanto futuras quanto as perdidas, rasgam meu cérebro com as unhas longas e duras que têm os planos que já nasceram mortos.

23 setembro, 2020

Sobre um romance não romântico

Houve uma vez um romance, porém essa história falada não escrita, esse rumor solto na cidade escurecida de luzes mas brilhante de estrelas e cometas, tinha uma peculiaridade, não era nada romântico. Nessa história fugaz, dois desconhecidos fizeram uma viagem épica, regada a vapores ferventes em jorros altos de água que atraíram bêbados sôfregos em compartilhar sua sabedoria mecânica e se juntaram em uma praia erma, de marés baixas e luas altas. Neste lugar conversaram, tanto na efusão de pensamentos ébrios quanto em longos silêncios. Ali comeram casquinhas de siri em busca de vermes que não apareceram e se encantaram com arraias saltitantes nos caminhos de corais onde nunca chegaram. Dançaram sob o olho irônico de um dragão celestial que observava tudo enquanto segurava o riso com as conversas que os dois segredavam, intercalando copos de cerveja, drinques improvisados e confissões de filhos e filhas soltos em mundos sombrios. Foderam, claro, como qualquer outro vivente nessa situação, talvez com menos ímpeto ou frequência que o esperado, já que não tinham a mesma intensidade de interesse, mas tudo bem, nunca se tem. Pouco tempo tiveram, o que era muito pra eles, já que pessoas de pouca paciência pras coisas românticas de épocas românticas têm baixa tolerância ao costume com outros e tendem a se sentir presos em rotinas compartilhadas. Estragaram possibilidades de maiores intimidades por traumas ou prepotências inúteis mas, nessas noites de lua alta e discernimento baixo, fizeram sua história pequena e curta, porém feliz pelo período eterno que durou nada além do que o tempo necessário.