27 outubro, 2006

Conversão

O passo era afoito, desviava dos transeuntes com uma agilidade impressionante adquirida pelos inúmeros anos de correria pelas calçadas. O capote esvoaçante e o chapéu enterrado na cabeça o protegiam da irritante garoa e do frio que, este ano, chegou mais cedo que de costume.

Em um momentâneo descuido o vento leva seu chapéu. Ele olha para o céu e sente a água fria correr por seu rosto naquela manhã, sorri.

Seus ermos passos são interrompidos pela debandada de uma multidão que sai de uma enorme porta. Ele pára e observa a turba bem vestida escoando pelas ruas até sumir por completo.

De repente algo chama sua atenção, ele escuta ... é grande e avassalador, algo que seus pensamentos há tempos anseiam: um enorme e gigantesco....
silêncio.

Ele olha para o interior da grande porta de onde sairam aquelas pessoas e percebe que se trata de uma igreja.

O ateu ri desdenhoso do hipócrito destino, a idéia de um deus nunca lhe interessou, sempre lhe pareceu patética. Nunca sentiu necessidade dos cômodos remendos divinos que se usam para tapar os buracos deixados pelo conhecimento. Mesmo assim ele entra, precisa daquele silêncio.

Senta no banco vazio do imenso salão semi-iluminado e observa com um sorriso irônico parcos beatos comprarem sua paz com um toco de vela. Estira os braços sobre o banco e encara o ídolo sofredor que imita sua posição e lembra que sempre admirou suas idéias e, provavelmente, as cumpra muito mais freqüentemente que esses babacas teístas.

Neste instante o silêncio é interrompido por um estridente gargalhar de alguém que acaba de entrar. Ele se vira e vê uma menina de uns treze anos que lhe dá uma rápida olhada seguida de uma piscadela com seus enormes cílios. Estava vestida com uma minissaia vermelha, seus cabelos negros e compridos estavam presos em um rabo de cavalo que pendulava atrás de sua cabeça. Ruma direto para o confessionário enquanto o solitário imagina que tipos de pecados pode uma menininha daquela idade ter.

Ela permanece um longo período se confessando, quando, de repente, o padre sai, suando e ofegante, em direção aos fundos da igreja.

O ateu persegue o padre com o olhar e acha estranho aquele andar rápido e confuso. Quando seus olhos retornam, ele percebe que a menininha o fita insistentemente exibindo um malicioso sorriso, agora é ele que começa a suar frio. Devagar ela afasta suas pernas e deixa o estranho contemplá-la.

O ateu levanta-se bruscamente e quase num pulo alcança o confessionário. No cerrar da porta os bafos quentes, o suor, mãos, seios, bocas, vulva se mesclam no breu do estreito confessionário. Em desproporção segue o prazer ao gemido limitado à respirações ofegantes.

Ela sai primeiro, saltitante e gargalhando como entrou. Ele permanece jogado, está extasiado, não sabe o nome dela nem ela o dele e tem certeza que nunca mais a encontrará. Levanta-se calmamente e segue em direção à porta percebendo que agora já sabe o tipo de pecado que uma menina daquelas pode ter para contar.

Com um sorriso à estampar-lhe a face, não se segura e confessa em voz alta.

-É... Talvez deus exista!

02 outubro, 2006

1 ano

Há um ano atrás estava chegando em Belo Horizonte pra ficar. Era um dia chuvoso e triste, que nem hoje. Estava muito apreensivo, não fazia a mínima idéia do que me esperava e do que esperavam de mim. Abandonei pessoas que perdi e pessoas que ainda me esperam. Antigamente era fácil tomar essa atitude, desse vez foi muito foda. Cheguei em uma pensão triste, pequena e suja. Um banheiro comunitário atuchado de moscas e de paredes descascando. Hoje estou em um apartamento bacana, o melhor que morei até hoje (apesar de que isso não quer dizer grande coisa) e pensando em comprar um muquifo mínimo no centro.

Gosto muito daqui, mas todos os dias eu me pergunto se valeu a pena.

Tenho que acreditar que sim. O que eu perdi eu perderia de qualquer jeito, quem eu realmente tenho não me abandonará pela distância.

E aqui estou e, provavelmente, permanecerei. Pelo menos até me encher o saco novamente e começar tudo de novo em outro lugar perdido pelo mundo. Fugir vicía.