14 abril, 2008

Seu Aloísio

Então, de repente, nessa manhã de segunda, Seu Aloísio resolve não mais acordar. De cima de seus 95 anos ele olhava o resto do mundo a sua volta vestindo um par de olhos embaçados pela moral cristã que não entendiam aquele mundo estranho formado junto com suas rugas.
Em sua última noite, deitado na cama antiga, lembrava dos anos em que transformava as coisas, tempo em que caminhava por lugares ermos de histórias indizíveis. Trilhas de um brasil antigo, onde apareciam cachorros protetores que o acompanhavam nas jornadas fantásticas e onde presenciou misteriosas explosões em céus noturnos. "Foram tantos caminhos, tanta terra, tanto mato, tanta vida" lembra. Olhou ainda ao lado da cama e, por um momento, visualizou de relance a Dona Norma, sua companheira já falecida há algum tempo. Esticou o braço para tocá-la mas ela, tímida como sempre, se afastou daquela conhecida mão de dedos longos. Conversou com ela, riram se lembrando da primeira sela que ele fabricou especialmente para a noiva. Era uma sela lateral pois as moças daquele tempo somente usavam vestidos e assim cavalgavam, sendo que ele jamais entenderia outra moda. Comentava com sua voz grossa e seu agressivo sotaque alemão sobre os novos e absurdos costumes de mulheres de calça comprida e homens de calça curta.
Então ele aspira o ar parado do quarto e imagina sentir, por um momento, o cheiro de madeira recém talhada. Cheiro este que o acompanhou a vida inteira, madeira que o obedecia com devoção, que entortava e tomava forma naquelas mãos ossudas, naqueles braços magros que deixavam expostos músculos arduamente trabalhados na lida com o campo. Músculos que ele gostava de exibir para as crianças que olhavam atônitas aquele velho ancião com a força de um touro.
O tempo passou, a força se foi. Agora tudo o cansa em demasia, até as lembranças o estão estafando. "Bastam de fins de semanas" ele pensou em seu último domingo, "cansei dos dias arrastados, já fiz demais por aqui"disse enquanto, na última de impensáveis quantia de vezes, cerrava os olhos.
E lá foi seu Aloísio, com histórias que jamais sonharíamos e, nem na mais prepotente fantasia, vivenciaremos. As levou com ele, pois nunca demos a correta atenção enquanto ainda tínhamos tempo.

Beijo Vô.

9 comentários:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

me lembro de q qdo vc gostava de alguma coisa do meu blog. Vc dizia: "Du caralho", assim mesmo.
Pois é, esse seu post também foi.
abração

Juliana Alves disse...

em vc, a melhor coisa do mundo: abraço.

Petite disse...

:(

Julieta Maciel disse...

Meu filho, obrigada!

ROSA MARIA SCHNEIDER disse...

Primo amado! Que belo legado. Quanto sensibilidade nas tuas palavras...captaste a essência desse homem maravilhoso que tivemos a honra de conhecer e ter como nosso avô

Unknown disse...

Meu pai amado, era meu porto seguro. Saudade.

Vitória disse...

Que saudade desse biso

Unknown disse...

Oooo saudades do meu avô ,de quando vinha contar suas histórias e questionar as mulheres usando calças ....

Unknown disse...

Meus sentimentos 😔