07 março, 2016

dos gostos que dois litrão e um maço de cigarro tiram de sua boca

Um dia amargo o conduziu aquele bar. O céu pesado com uma garoa intermitente o levou ao refúgio da última mesa que oferecia alguma proteção contra o tempo e a multidão. Sentou sozinho. Pediu uma cerveja forte para combinar com aquele dia, um litro de uma vez para não ter que aturar a desatenção do garçom. Sorveu grandes goles, sofrego por uma rápida ebriedade. Com esquivas olhadelas às pessoas em sua volta, identificava alguns rostos conhecidos e uma ou outra fisionomia mais interessante, porém voltava-se sempre ao caderno. Queria gastar a tinta da caneta, encher folhas e esvaziar a cabeça.

Conversas acaloradas sobre política e outras mais amenas sobre projetos em andamento e seus conflitos laborais eram percebidas o meio da balburdia geral. Alguém afinando um violão dava a estranha impressão que tudo não passava de um tipo de música descompassada.

Embalado pela estranha canção lembrou de amores passados cuja história compartilhava o mesmo ambiente. Lembrou de alguns queijos finos apodrecendo na geladeira e duas garrafas de vinho que o conduziam à melancolia da mesma pessoa. Um corpo esguio vestido de preto, olhos verdes felinos, cabelo loiro e um comprido pescoço agora o assombravam. Sem propósito nenhum além do tormento, pois não tinha mais direito de pensar nela, já que o isolamento havia sido decisão sua. Sofre sem direito, padece por sua inventada doença.

Pediu a conta e foi-se embora se masturbar à fraca luz de seu apartamento, escondido por uma forte autocomiseração. Tudo era, afinal, o preço pago pela sua cruel necessidade da utópica independência.

Mas, no caminho pra casa, percebeu na língua um gosto doce da noite.