Era um apartamento pequeno, daqueles alugados por pessoas ligadas à política que ficavam pouco tempo na cidade transitória. Havia uma certa tristeza decorrente disso, um ar nostálgico de lugares impessoais, práticos e compactos. Ali dentro, separados apenas por uma fina divisória de drywall, acordaram em silêncio, sem nenhuma palavra trocada, apenas um ruído constante de rua enchia o ambiente. Ela, na cama, com um notebook no colo. Ele, na cozinha, secava um copo que nem havia sido lavado quando comentou:
— Você tem que entender que nada estava confirmado. Nosso relacionamento estava no começo, e meu corpo gritava por experiências.
De resposta ele apenas recebia o barulho esporádico do teclado vindo sonolento do outro lado da habitação.
— Era uma outra cidade... Eu só... Eu estava livre e feliz, comemorando a vida.
O teclado parou, ouviu-se a descarga do andar superior. Ele continuava passando o pano vigorosamente no copo engordurado, sujo das bocas ébrias de vinho da noite anterior.
— Além do mais, você ainda não tinha dito que me amava, como eu ia...? Eu não sabia em que pé estávamos.
Silêncio novamente. Talvez um leve ranger da cama, enquanto ela se ajeitava.
— A outra guria era não monogâmica e, na minha concepção, nós também éramos. Não te traí.
Do outro lado da triste divisória de cartão e gesso, a voz dela, até então silenciosa, surgiu calma feito faca:
— Eu decidi por você no momento em que percebi que te amava, não quando você me disse. O problema não seria você, o que jamais trairia seria a minha própria vontade.
Ele parou de mexer na louça que fingia limpar, pousou o copo e o pano na pia e ergueu o olhar para um azulejo que destoava - aquele tom de azul desbotado que ela uma vez dissera combinar com o céu antes da chuva. Ela fechou o notebook e finalizou:
— Mas não se preocupe. Nunca tivemos nada em comum exceto, talvez, o mesmo vício de tentar encontrar significado onde só existia café derramado, copos mal lavados... ...e do fato de nós dois gostarmos muito de você.
O azulejo soltou em um estalido seco espatifando-se no chão, ao longe ouviu-se o suave som de um trovão.