28 agosto, 2006

Não consegui voar


"Maria acordou suando, o sol já estava alto e o edredon era pesado demais. Merecia um banho demorado depois de uma noite tão difícil. O chuveiro queimou de novo.
- Zé vai me matar.
Mas não importa mais, foi seu último banho naquele chuveiro que não agüentava muito tempo ligado.
Ela acorda seu amigo com um beijo. Ele teve a pior noite da sua vida e Maria se sente impotente em não conseguir tirar sua dor. Mas ao menos estava ali, como ele pediu.
(...) Ontem...

- Que diabo é essa coisa de ver o outro sofrer e sentir também a dor?
Maria não aprende. Sempre altruísta, sem perder essa mania. Como se tivesse esse controle. Talvez tenha prazer nisso, mas não tem ainda essa noção. Sofre de verdade.

- Ora, isso não é altruísmo, é burrice!
- ...
- Sei o que está sentindo, Zé.
- Você não tem como saber, nunca passou por isso. Vê se já teve esse problema de alguém não te querer? Todo mundo te quer.
- ...
- Tô afim de sacanear todo mundo.
- Não é justo. Pouca gente merece.
- Todo mundo merece. A vaca é uma filha da puta, eu sou filho da puta, você também é filha da puta.
- Tenho uma solução. Vamos pular da janela?
- Acho uma boa idéia. Vamos tentar cair em cima de algum carro lá embaixo para sacanearmos mais alguém? Não tem problema, o dono do carro também é um filho da puta.

Um breve silêncio. Não havia mais as velhas músicas ao fundo. Todas elas o remetiam a dolorosas lembranças que não mereciam ser lembradas. Mas outros sons tomaram conta da noite quente, seca e sem lua: sirenes, gritos, choros...

Olhando pela janela:
- Será que a gente voa, Maria?
- Daqui a pouco vou conseguir voar. É só fechar meus olhos.
- Não dormindo, sua doida. E se, em vez de cair, voássemos de verdade?

Foi tudo que ela conseguia se lembrar.
(...)
-Bom dia ma petite!
- Zé, essa noite não consegui voar. Mas eu vi que você conseguiu. Vi você voando bem alto. Você sorriu, um sorriso tão lindo que me fez sorrir também. Disse que sua dor havia passado e estava feliz."


pour petite



"...Eu só voltei pra te contar
Viajei...Fui pra Serra do Luar
Eu mergulhei...Ah!!! Eu quis voar
Agora eu sei, vim pra terra pra ficar.

Viver é afinar o instrumento
De dentro pra fora
De fora pra dentro..."

2 comentários:

Anônimo disse...

leia o conto"apenas uma maça" de Caio FErnando Abreu. cairá bem para esse momento dubio.... hahah

Anônimo disse...

é.... é muito bom amar de novo.. tomei um folego renovado e to me dedicando com afinco...
e vc? continua na empreita clarenistica?