22 dezembro, 2006

Dessensibilização

O acaso não poderia ter sido mais irônico, juntou nossos caminhos justamente naquele lugar que presenciou tanto da nossa história, a velha feira decadente.

Te olho de frente e dou um sorriso.
-Situação engraçada não é?
Você não responde, treme um pouco o queixo e eu vejo uma lágrima lutar bravamente pra nascer no seu olho e que você segura e não deixa escapar.

Nesse momento eu me lembro das minhas compridas aulas de neurociencias. Lembro da propriedade de dessensibilização dos neurônios, onde um impulso constante aumenta a resistência à um possível novo estímulo. Isso é facilmente perceptível quando damos uns tapinhas na região que receberá uma injeção para que a área fique dormente e não se perceba a entrada da agulha.

Acho que me identifico com isso, fiquei dormente. Cansei. Definitivamente cansei.

Olho aqueles olhos que me admiravam. Olho aquela boca. Boca que, enquanto proferia palavras de amor eterno à mim, enroscava a língua em outros homens em uma quantidade de vezes e variações por mim desconhecidas.

De qualquer forma isso não faz diferença agora, não conseguimos dizer mais nenhuma palavra um para o outro. O engraçado é que, antigamente, por mais que falássemos, nunca conseguíamos dizer tudo que queríamos. Gastávamos todo o dicionário de nossas bocas e sempre faltava algo a ser dito. Agora só o silêncio. Foi o que restou. O silêncio apagou nosso vocabulário e a indiferença digeriu nossa vontade.

Ela olha para o chão e aponta uma casca caída de algum ferimento completamente cicatrizado.
Fico intrigado e pego a casquinha do chão, enquanto isso ela dá as costas e vai embora.

-Estranho, não me lembro de ter me machucado.

Um comentário:

c. disse...

bem, bem, bem lindo.