20 março, 2006

O Previsí­vel Fim do Labirinto

Antônio pensou em respeito e calou, respeito não pode ser cobrado. De novo aquela sensação desagradável, todos bufões em torno dela novamente. O que mais o incomoda e que ela precisa deles, necessita dos giros e rodopios desses palhaços enrustidos encontrados em profussão pelos círculos por ela frequentados, sua infância perene exige toda aquela atenção.

O problema é que Tuca, ao contrário das outras, possuía o punhal específico que atravessava a armadura de Antônio construída solidamente de orgulho e prepotência. Tal punhal, feito do mesmo material, era habilmente manipulado por ela, que se deliciava quando o feria profundamente sem matar. O sangue grosso escorria do seu ego e molhava seus lábios quietos e, posteriormente, era bebido por ela.

Em busca da hipócrita e utópica idéia de equilíbrio e de que não deveriam se desviar dos sonhos individuais movidos pela paixão, acabaram se separando. Tuca se concentrara cada vez mais em seu trabalho e Antônio, numa de suas cada vez mais frequentes viagens, não retornou. Ainda se corresponderam por um tempo mas Tuca não suportava a ausência de Antônio e se traiu. Não, ela não traiu Antônio, ainda o amava, mas a companhia de seu amigo acabou sendo mais constante, estava fraca. O amor não resistiu à impressão de descaso causada pelo distinto seguir de rumos que cada um tomou.

O sangue jorrado do coração ceifado foi muito pior do que as pequenas torturas resultantes do lapidar de arestas que o relacionamento requeria, mas o orgulho dos dois era demasiadamente grande para perceberem a puta estupidez da decisão.

Antônio retornou ao alto do antigo pedestal de inacessibilidade e se imaginou, novamente, dono da situação e de seu destino. Trágico engano aquele, as mentiras caíram seguindo o lento folhear do calendário.

Não sonhava mais, o maxilar travara para qualquer palavra amena. A certeza da dor o privava de qualquer tentativa. Amaldiçava o destino que o conduziu à solidão perene.

Concentrava-se no ritmado ranger que sua cadeira de balanço provocava sobre o velho assoalho de madeira. Sua companhia eram seus livros, velhos discos e garrafas vazias de quase de todos os tipos de destilado que apinhavam o ambiente. A peculiar decoração (na realidade a falta dela) evidenciava seu passado de seguranças estereotipadas. Suas idéias e conceitos se mostravam toscos e desprovidas de personalidade quando, nostagicalmente, os imaginava entoados pelos sangrentos lábios da cruel companheira de outrora.

A verdade se perdeu nas linhas do acaso, a culpa existe mas não se pode identificar de quem, a traição aconteceu mas não se pode ter certeza de quando.

E o que mais incomoda, o que pressiona as lembranças a adquirirem um peso sufocante, esmagador, é que tudo poderia ter sido diferente.


"Eu uso óculos escuros, pra minhas lágrimas esconder"

3 comentários:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

Cara, tou sensibilizado, sério mesmo. Falaria de Borges e de sua perseguição com labirintos, mas acho que o acento triste do post não permite tais divagações...
Jà fui Antônio, ao menos uma vez na vida.
A necessidade de Tuca pelos bufões, por admiradores me lembra da mariposa que sempre caminha para a luz e é justamente isso que a leva à morte. Assim como Ícaro e o sol.

PS.: Eu tbm uso óculos, mas é miopia mesmo...

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

eu já tinha visto essa imagem no seu fotolog! mas vc a colocou depois, né?
muito legal o recurso utilizado! Já disse, além de excelente narrador, vc tem um senso estético, no mínimo, aguçado.
Abração

Anônimo disse...

Tenho uma especial atração por ícaro. Será síndrome de mariposa? risos..
Bom demais este texto.
Beijocas