07 março, 2007

Um faroleiro, agulha e tinta

A machesa que nele encontras vem dos pelos. É de lá que cavas a hombridade que usas para desculpar a sedução que te causas. É a barba que te puxas para aquela nuca. São os pelos do peito que conduzem tua boca a deslizar por aquele ventre.

Esse estrangeiro, salgado de mar, que escolheste para deitar e que não te merece. E eu sei disso porque não existe a possibilidade de alguém a merecer sendo que eu te amo dessa forma desesperadora. Depois disso todos os outros amores, abafados em suas insignificâncias, não encontraram mais espaço para existir.

Então observo do meu farol o navio de teu amante. Tão distante das minhas vistas mas tão perto do meu padecimento. O lento subir e descer dessa embarcação confunde meus desejos. Sei que lá estás e, mesmo assim, algumas horas desejo que submerjam nas entranhas traiçoeiras do mar para, quem sabe, ocorrer o mesmo com minhas lembranças.

Fico aqui, nessa janela, a mais alta que já existiu. Minhas únicas companhias, além da luz rodopiante que me concede trevas e claridade nas doses necessárias para a minha arte, são uma agulha enferrujada e um vidro de tinta.

Eu, inberbe, agora tatuo meu corpo e, cada vez que pinto minha pele escura e seca, mancho mais a minha alma. Um traço azul para cada pedaço do outro que nunca serei. E para isso espeto minha derme, insiro em meu corpo essa tinta infecta na violência de uma agulha suja. Faço símbolos que, só a mim, contam toda essa história.

Os rabiscos vão tomando rumos intermináveis, virando frases indecifráveis. As vezes, perdido, me encho de mentiras, outras vezes, perdido, de verdades inacreditáveis. De forma que jamais conseguirei desvencilhar uma da outra.

Faço isso com uma calma absoluta, sem dor, não sinto mais. Afasto as células com a ponta invasiva e meus nervos assistem à tudo impassíveis.

Minha pele acaba, meu corpo apodrece. Mas os pelos? Eles não. Sempre hão de nascer de novo.

"La donna è mobile
Qual piuma al vento,

Muta d'accento — e di pensiero.
Sempre un amabile,
Leggiadro viso,
In pianto o in riso, — è menzognero.


È sempre misero
Chi a lei s'affida,
Chi le confida — mal cauto il core!
Pur mai non sentesi
Felice appieno
Chi su quel seno — non liba amore! "

2 comentários:

Anônimo disse...

ai.

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

punk. mto forte esse. e diz um pouco da história das tatuagens... pelo menos da história interna delas.