26 setembro, 2007

Sonhos

É horrível acordar no meio de um sonho, fica tudo confuso por um tempo enorme.

Hoje foi assim que meu dia começou.

O apito insuportável do celular interrompendo um sonho que não lembro mais a respeito de que era. Só sei que seus personagens se libertaram e estão até agora correndo em volta de mim.

São muito imprudentes estes personagens, um até se machucou coitado. Engraçado é que, fora daquela atmosfera densa da minha cabeça, eles ficam fluidos e rápidos, muito rápidos.

O ônibus que eu peguei não estava muito cheio, mas os passageiros estranharam quando entrei com aquela turba disforme. Alguns velhos, mais sábios, entenderam prontamente a minha situação.

- Acordou no meio de um sonho, não é meu filho? - Perguntou-me uma senhora.
- Sim. E agora? Como me livro deles?
- Não tem jeito. A unica coisa que pode fazer é esperar passar, e isso acontecerá quando você acordar completamente.

Agradeci o conselho e segui adiante.
Na roleta o cobrador faz uma cara feia mas não me pediu para pagar a passagens para aqueles entes que, neste momento, já voam por cima dele fazendo um puta estardalhaço.

Eles me deixam tão emputecido que, quando desço do ônibus em frente ao meu serviço, esqueço de colocar os pés no chão.

- Que burrice. Imagina se me vêem chegar assim, que vergonha. Agora sou chefe, não posso mais fazer isso. - Só consegui formular esses pensamentos quando já estava, distraidamente, andando por cima das últimas folhas de uma linda árvore azul. Voltei ao chão e entrei no meu serviço dando bons-dias enrubescido, morrendo de vergonha das indiscrições causadas por minhas companhias, que insistiam em misturar os crachás que a recepcionista estava, em vão, organizando na portaria e, outros, tentavam roubar o revolver do assustado guarda.

Vou direto à mesa de café, encho um copo dos grandes e esvazio tudo dentro da garganta. O máximo que acontece é que, além de uma queimadura, meus sonhos ficam um pouco mais tênues, mas nada de desaparecerem.

Sento diante do meu computador mas fica difícil me concentrar com essa multidão me rodeando, então resolvo passar um pouco do tempo escrevendo em meu empoeirado blog. Agora estou aqui sentado, compondo este texto, com um espectro que constantemente muda de fisionomia berrando em meus ouvidos frases ininteligiveis enquanto outros pulam loucamente de baia em baia. Um cavalo lá fora, com as pernas finas e enormes qual um quadro de Dali, passa pela janela e assusta os urubus.

Percebo que eles estão ficando um pouquinho mais transparentes, estão esvaecendo. Neste momento o personagem ao meu lado assume uma conhecida fisionomia. Eu não lembrava dela presente em meus sonhos, pelo menos não ultimamente. Uma presença que me impregna de melancolia mesmo sem a ter reconhecido por completo ainda. Um rosto de simetrias e quinas angulosas que ainda, de certa forma, me fere. Mergulho fundo naquele olhar antigo e já morto. De repente começo a ver algo se movimentar neles, algo que gira. É o relógio da parede cuja imagem começa a aparecer por tras da névoa de que ela é feita. Todos desaparecem e percebo que, agora, acordei.

- Bom, quem sabe agora consigo produzir alguma coisa.

O que me preocupa é que o coitado do meu filho carrega essa mesma amaldiçoada sina dos notívagos, a de nunca ter sono, por mais tarde que seja, de só despertar depois de já estar há muito tempo de pé e a de ser perseguido por seus sonhos mais do que persegui-los.

4 comentários:

Regina disse...

Comecei o dia lendo sobre teu sonho e quase consegui avistar alguns de seus personagens. Eu carrego a mesma bendicao dos boemios que nao conseguem ir pra cama cedo e acordam bruscamente em meio aos seus sonhos.

Adorei...

Bjs

Regina

Anônimo disse...

uma explicação para os sonhos é que são sugeridos. se assim for, esta noite os meus estarão perseguindo os teus!
bom te ler de novo. de novo descubro o qto vc escreve bonito!
beijos muitos. saudades tb.

Anônimo disse...

tive um sensacional ontem a noite...e hoje achei um livro do italo calvino aqui em casa.

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

e cumpre o que for hereditário!
o que eu gosto nos sonhos é que continuamos 'vivendo', tendo experiências durante o sono.
abração