17 janeiro, 2006

Steppenwolf

Depois de uma noite em companhia da menina, sua sina, o velho trôpego segue o caminho de volta para sua casa machucado.
Mostrou a lua e contou sobre lendas antigas que a imaginavam como olho de um enorme dragão que engolia o sol toda manhã, falou de musicas e vomitou livros, bebeu e sorriu. Usou de todas seduções que conhecia, precisava urgentemente dela. Seu olhar cínico de anos tinha se tornado diferente, agora habitavam em suas órbitas um outro, desesperado.
Só que nessa noite, nessa maldita noite, um eclipse veda calmamente a lua enquanto ela diz que ainda ama outro.

Seu peito sangra, seu cérebro chia, o mundo julga e ele volta pra casa.
Se ao vê-lo o compadecimento nos provesse de uma faculdade gentil que, apurando-nos os ouvidos, permitisse ouvir o senil diálogo com o seu lobo travado dentro da própria cabeça...

-É velho! Faz tempo que nos conhecemos. Mas estás diferente. O que houve? Seria o nó de tua gravata ou tua lí­ngua arfante?
-Realmente faz tempo. Não sei se queria que fosse tanto. O que me difere nem sei mais. Sei que até o dragão fechou o olho para mim, engoliu o sol e dormiu de vergonha.
-Percebi que, na volta pra casa, pegaste o caminho mais longo.
-Perdi-me em devaneios. É triste o caminho da alma.
-Há, há, há! Faz-me rir suave hipócrita, na alma não acreditas. Mas diga-me, esqueceste de como seduzir?
- Minhas regras não se valem mais. Ela me afeta.
- Há, há, há. Assim estoura-me os pulmões. Estavas acostumado a assistir tudo de longe como um voyeur, seu desgraçado. As paixões eram melhores quando deixavas à meu cargo, não é? Simples, diretas e rápidas. Nos satisfazí­amos e seguí­amos, incólumes, nossos caminhos. Agora que tu, grandissí­ssimo filho da puta, depois de todos esses anos quieto, vieste atrapalhar tão sutil equilí­brio, viraste tudo numa grande merda.
- Vai se fuder ignóbil lupino. Achas que me sinto confortável em tal situação? Nunca me senti tão próximo à tua triste condição.
- Ei, ei. Não acredito! O que aconteceu com o dono do rico vocabulário? Ainda me surpreendes! Estás à utilizar palavras da carne agora? Cadê a prepotência de teus vocábulos de que tanto te convencias? Aquele rebuscamento procurado para empertigar tua falta de idéias? Esqueceste? Sou eu que estraçalho, tu estrafegas. Eu mando tomar no cú, tu rodeias com jogo de palavras para ofender ao demonstrar a fraqueza dos argumentos adversários. Já quebras as regras por ti mesmo impostas? Achei que o mais próximo de tais ofensas a mim seria seus pensamentos auto-destrutivos das manhãs de ressaca moral que o obrigo a passar depois de minhas maravilhosas e ébrias noites.
- Tu me irritas. Quem pensas que és para me julgar? Satisfaz-te com fugazes e fúteis paixões, estrafegando sentimentos de pessoas boas. Delicia-te em ví­cios degradantes e se vai. Não se importa com ninguém e vives uma existência parasitária, sugas até a saciedade e segues adiante.
- Agora tu é que me irritas. Seu fraco filho da puta. Falas que eu faço mal? És tu que sugas não só a carne mas também quer o cerne. Me contento com uma foda mas queres a vida inteira. Você é que destrói, eu só passo. Acho engraçado tua pausa quando lhe perguntam se estás feliz, nunca tens certeza se sou eu ou tu que estás. Mas admita. Não sabes lidar com a situação. Estás fudido meu amigo. Não é ela a errada, não passa de uma criança a brincar. És tu que estás apavorado. Eis o problema: Todas as certezas que tinhas, teu consentimento em me deixar tomar conta, de decidir, tudo isso inverteu. Apavorado, tentas tomar a rédea mas não sabes mais (se é que um dia soube) conduzir. Estás em desabalada corrida e não sabes para onde vais e tão pouco tens freio.

2 comentários:

Anônimo disse...

é engraçado ler isso e tentar entender um pouco dessa pessoa que nem cheguei a conhecer. acho bonitinha essa parte: "Não é ela a errada, não passa de uma criança a brincar."
eu te amo.

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

boquiaBE(r)TO.