18 junho, 2006

Ciumento, eu?


Chego tarde no bar, depois da meia noite. Não podia ser de outra forma, ele já está cheio e barulhento. Muita gente do lado de fora, fazendo algazarra e não tendo nenhum motivo para estar ali, um monte de figurantes desnecessários e desinteressantes.

Passo direto por eles e entro no bar, la dentro está pior ainda, todo o salão lotado de macacos barulhentos tentando chamar atenção, um gritando mais do que o outro.

Meu, que merda que to fazendo aqui? Este não meu tipo de ambiente. Meus olhos vagueiam pelo salão. Neste momento meu olhar trava no palco, e imediatamente me lembro do porquê.

- Débora!

Os olhares sequiosos todos voltados para ela, a garota que, habilmente, dedilha um violão no palco. Os homens do lugar a observavam com um tesão incontido, sorvendo seus copos de cerveja sem desviar o olhar, e as mulheres com a costumeira inveja. Elas tentam superar o som falando cada vez mais alto para chamar a atenção. Coitadas, não tem a mínima chance. Débora, com seu jeito de garota altiva e a forma peculiar de se vestir jamais passariam despercebidos nesse lugar de idéias tão comuns e estereotipadas. Seus dedos percorrem o braço do violão enquanto franze o cenho, característica que já havia percebido desde a primeira vez que a ouvi cantar e lhe dá um aspecto de criança emburrada que é extremamente sedutor.

Percebo os murmúrios elogiosos que emanam dos ouvintes, alguns cogitam a possibilidade de comê-la.

- Idiotas!

Apesar dela não ter fidelidade como uma de suas qualidades (pra falar a verdade, ambos somos promíscuos incorrigíveis), sou eu quem vai levá-la pra cama hoje. Esse pensamento me tranqüiliza momentaneamente e deixo escapar um meio sorriso. Peço mais uma cerveja no momento em que Adão chega e me cumprimenta com gestos forçados e largos, como se eu fosse um grande amigo.

Só conversamos uma vez, quando comprei uma bucha de pó, imaginei que ele nem tinha notado a minha cara na hora, de tão paranóico que ele estava, não entendo aquela intimidade e retribuo desconfiado.

- E ai Adão?
- Fala meu rei. Há quanto tempo? Que foi que parou de me procurar?
- Dei um tempo nessa merda, quase me fudi com ela.
- Num brinca meu rei, o que aconteceu?
- Eu e a Débora estávamos numa festa e tínhamos cheirado umas carreiras no banheiro. A Débora ficou só no whisky e eu misturando tudo que me aparecia, como sempre. Um infeliz safado dum playboy babaca chegou junto da Débora segurando na cintura. Já olhei meio desconfiado pro folgado, e o cara me ignorando. Porra meu, você sabe que eu não sou ciumento, mas o cara ficava falando na orelha dela, bem pertinho e soltando umas gargalhadas idiotas. O sangue me subiu quando a mão dele começou a descer. O filho da puta já tava com a mão quase na bunda dela quando eu tirei a arma da cintura e meti na cara do palhaço. Quase descarreguei o berro na cara do sujeito. Tinha que ver, o cara se mijou todo, tava com o cú na mão. Na mesma hora ela me tirou de lá. Brigamos um pouco e ela me fez prometer que pararíamos de cheirar e eu de andar com revólver. Então parei de te procurar.

Adão me convida para jogar uma partida de sinuca. Desconfio da sua cordialidade e recuso o convite falando que sou uma merda nesse tipo de jogo. Sua insistência e a sensação desagradável de estar sozinho naquele boteco onde todos andam em bando me faz aceitar a proposta.

Não menti pro Adão, não jogo lhufas desse negócio. Mas estou com sorte, sempre gosto de dizer que deve ter um santo que acompanha os ébrios, pelo menos à mim. Mato diversas bolas com uma sorte incrível que me faz passar por mentiroso. Aproveito-me da situação e faço cara de desdém quando acerto alguma bola difícil, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Débora arrasa quando começa a cantar umas músicas internacionais que mostram mais a potência e beleza de sua voz. Ela já me disse que não se sente mais a vontade para cantar aquelas músicas, já que pertencem a um passado distante que já não faz mais parte da sua realidade, mesmo assim ela atende aos sôfregos pedidos dos ouvintes. Não canso de ouvi-la e de olhá-la, ela é linda.

Largo o Adão na primeira oportunidade. Porra, na certa ele me viu chegando com Débora e quis marcar algum tipo de presença, ninguém aborda ninguém desinteressadamente. Pego a fila do banheiro e tento ficar quieto. Até na fila do banheiro tem algazarra, não sei o que tanto esse pessoal conversa, são um bando de imbecis com idéias prontas. Amenidades que não valem nem o esforço do movimento do maxilar. Bando de punheteiros, todos interessados em Débora, ainda bem que eu não sou ciumento.

- Cara, essa mulher canta pra caralho, hein? Me fala o cidadão que está logo à minha frente na fila.
- É. Respondo indiferente, sem sequer virar o rosto. Porque todo bêbado acha que é teu amigo?
- Além de tudo é gostosa pra caralho. Como não dei atenção ele agora se dirige ao cara que está antes dele na fila.

-EU NÃO SOU CIUMENTO PORRA!!!
Não sou ciumento,
Não sou ciumento,
Não sou ciumento...

Quando chega a vez do bêbado entrar no banheiro, eu vou junto sem dar tempo dele perceber.

...

Estou no banheiro quando percebo que Débora terminou o show e me divirto ouvindo os protestos. Tenho que ser rápido senão ela desconfia.

As batidas na porta estão cada vez mais intensas, perderam a paciência, estou a muito tempo aqui. Olho pro espelho e encaro um monte de rostos meus refletidos:

-Um puto fragmentado, é isso que você é. Bom, agora tenho que sair, pegar a Débora e dar o fora antes que alguém veja essa sujeira e comece o tumulto.

Estico uma última e gorda carreira na tampa da privada e aspiro tudo de uma vez, então olho de soslaio o corpo no chão do banheiro. Babaca. Estourei a cara do infeliz no espelho e contemplo a faca fincada entre as costelas. Bom, pelo menos mantive parte da minha promessa, não ando mais com o revólver.

2 comentários:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

gosto mto dessas suas narrativas!
Eu tbm não sou ciumento... é o que digo, pelo menos

Anônimo disse...

c'est la fuckin' vie.