26 junho, 2006

Monólogo de dois

- Não é nada disso! É que eu voltei a ter aqueles pesadelos.Voltaram a me atormentar os meus cruéis personagens noturnos. Me torturam com suas lamúrias, com seus gestos... Cada atitude deles me leva a lembrar das minhas feridas, das malditas situações que me fogem completamente ao controle. De que adianta esse meu racional tão apurado, minhã razão fria e cética?
- ...
- Claro, mas agora eu caio desse pedestal com uma facilidade incrível. Um dos sonhos, o de ontem pra ser específico, foi inicialmente bonito. Uma jovem linda, de cabelos negros e curtos me explicava o funcionamento de sua arte. Ela possuia uma espécie de tambor gigantesco onde o som de sua voz reverberava sendo controlado por seus dedos que mudavam a tensão da pele. O som de sua voz ecoava repetidamente, aumentando gradativamente na proporção em que rebatia nas paredes, até que enchia o ambiente, se tornava gigante, lindo, penetrava completamente em minha alma. Nesse momento ele, o som, tentou expurgar algo mais que lá habitava. Tentou competir com o que não tem competição, e todos meu ser se fechou em reflexo. Minhas lembranças doentes e meus sentimentos egoístas explodiram nessa dor constante que eu carrego na alma.
-...
- Será que só eu enxergo com essa clareza? Como pode alguém ainda dar importância para o que eu digo? Eu já não me respeito mais, me conheço demais para isso.Patético! Só isso. Patético!
-...
-Nada disso, eu sou o único culpado. Quem dera conseguir aliviar esse peso imenso que carrego dividindo-o com mais alguém. Não consigo. Sou racional, eu sei que não devia sentir isso, mas sinto, e isso me mata. Isso me mostra o quão eu não sou o que gostaria. Hoje eu vejo o tanto que eu não queria ser eu. Mas já fudeu, se não consegui até hoje, jamais conseguirei. É uma sina que eu não sei se suporto.
-...
-Acho ridículo imaginar que alguém escute vozes. Não acredito nisso. Nunca conheci nenhum esquizofrênico. Eu não ouço vozes. Talvez apenas pense demais e perceba o óbvio: não adianta continuar.
-...
-Te espero lá embaixo.

E ele pula. Abre um sorriso e os braços. O difícil é só o impulso inicial que, pra ele, foi moleza. A inevitabilidade do resto o conforta. Pelo menos agora não está a mercê das coisas que não controla. Finalmente, agora, nesse último percurso, enquando as janelas do edifício passam loucamente, ele tem tudo planejado. Ele controla, sabe exatamente o que vai acontecer de agora até o fim de sua vida. Que acaba.

E lá, da janela do quarto vazio onde teve início a corajosa trajetória, quase se identifica a mão da razão, que seus medos e incompetências deixaram sólida a ponto de quase poder ser vista, abanando feliz.

2 comentários:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

gostei da parte em que fala sobre os sonhos... comecei a anotar os meus. só que nunca são tão interessantes como esse que vc descreveu.

hellorufus disse...

Muitas vezes temos de lutar com os fantasmas do passado... Esses que estão sempre a resurgir...
Muitas vezes pensamos se ainda temos força para lutar com eles...
Muitas vezes existe a sensação de que se gostaria ser outra pessoa... ter tomado atitudes diferentes na vida para nao se encontrar mais no estado em que nos encontramos hoje...
Mas cada vez mais sinto por mais voltas que se tente dar... volta se sempre a estaca inicial.. aquela em que temos de lutar contra os nossos fantasmas... e ai sim... existe a vontade de desistir outra vez...