15 maio, 2006

Como se fuma uma dor


Da ponta do charuto ainda sai um resto de fumaça dançando pelo ar. Esvaece. Baila.
Ela me disse que charuto não se apaga, não se espreme e sufoca a brasa, deixa queimar sozinho no cinzeiro que ele, sem o impulso combustível do tragador, irá inevitavelmente apagar.

A agonia que a irresistível assimilação que essa cena traz de minha vida espreme minha cabeça como um invisível torniquete que, a cada segundo dá mais uma volta, aumentando a pressão dele decorrente.
A falta de impulso e estímulo apaga o que ainda me resta de ânimo. Observo o charuto parado no cinzeiro e me comovo. “Nunca sinta pena de si”, pensava.

Não, não é pena, é ódio. Que situação aquela. Que culpa infeliz a de não conseguir perceber nada em torno que valesse a pena, nada que aqueles estúpidos e felizes coadjuvantes extraem da ignorância.

Não há possibilidade de alguém racional perceber alguma coisa de interessante numa vivência vazia, que as pessoas tentam sofregamente preencher com ilusões teológicas tentando achar uma desculpa para o seu próximo respirar.

Gangrenado de tédio, meu ânimo até disso se esquece. Estou a quanto tempo sem respirar? Um segundo? Minuto talvez? horas? Desde o “nunca mais” seguido por um ríspido bater de porta? Talvez desde sempre.

Inevitavelmente a lembrança me fez puxar uma nova leva de ar que me deu mais eternos minutos para pensar. Afundado na poltrona observo a fumaça sair pela janela. Está se apagando.
Numa ironia maldosa pego o toco esfumaçante e coloco na boca. Sorrio porque sei que não vou contribuir com o oxigênio necessário para interromper aquela decadência. Apenas ameaço, finjo que vou tragar e desisto. Sei que tenho o poder, mas não a vontade.

Uma lágrima nasce do olho irritado e morre no irônico sorriso de minha boca. De repente a porta se abre.

É Ela. Ela voltou.

Toda merda que eu pensava antes some junto com o final da bituca do charuto que, instintivamente, absorvo numa única tragada. Meu peito arde. Pela fumaça? Por causa da volta dela? Não sei distinguir as duas dores. Antes que ela esvaeça como a fumaça eu a aspiro inteira com minha boca e sinto todas as palavras do mundo inflando meus pulmões com o que preciso para o resto da vida.

Vícios, e quem vive sem eles?

3 comentários:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

eu tenho vícios de mais.
a uma garota, que depois virou um texto, chamei de Menina Cocaína. Um vício depressivo.

Anônimo disse...

Legal demais este "Gangrenado de tédio".
Vícios? Quem não os tem? Alguns são mesmo impossíveis de serem abandonados, viu?
Beijos menino

Anônimo disse...

I love your website. It has a lot of great pictures and is very informative.
»