uma parada bonita e temporária onde respiravam suas pausas.
Parabéns para mim!
Agora que não sirvo para mais nada que não meio,
não posso reclamar que,
em busca de longevidades,
virei hiato.
uma parada bonita e temporária onde respiravam suas pausas.
Parabéns para mim!
Agora que não sirvo para mais nada que não meio,
não posso reclamar que,
em busca de longevidades,
virei hiato.
De resposta ele apenas recebia o barulho esporádico do teclado vindo sonolento do outro lado da habitação.
— Era uma outra cidade... Eu só... Eu estava livre e feliz, comemorando a vida.
O teclado parou, ouviu-se a descarga do andar superior. Ele continuava passando o pano vigorosamente no copo engordurado, sujo das bocas ébrias de vinho da noite anterior.
— Além do mais, você ainda não tinha dito que me amava, como eu ia...? Eu não sabia em que pé estávamos.
Silêncio novamente. Talvez um leve ranger da cama, enquanto ela se ajeitava.
— A outra guria era não monogâmica e, na minha concepção, nós também éramos. Não te traí.
Do outro lado da triste divisória de cartão e gesso, a voz dela, até então silenciosa, surgiu calma feito faca:
— Eu decidi por você no momento em que percebi que te amava, não quando você me disse. O problema não seria você, o que jamais trairia seria a minha própria vontade.
Ele parou de mexer na louça que fingia limpar, pousou o copo e o pano na pia e ergueu o olhar para um azulejo que destoava - aquele tom de azul desbotado que ela uma vez dissera combinar com o céu antes da chuva. Ela fechou o notebook e finalizou:
— Mas não se preocupe. Nunca tivemos nada em comum exceto, talvez, o mesmo vício de tentar encontrar significado onde só existia café derramado e copos mal lavados... ...e do fato de nós dois gostarmos muito de você.
O azulejo soltou em um estalido seco espatifando-se no chão, ao longe ouviu-se o suave som de um trovão.
- Porra, são minhas vísceras! - Exclamava mentalmente enquanto percorria com os olhos a linha rubra brilhante que se espalhava pelo asfalto chegando à sua barriga.
O emaranhado de tripas e outros órgãos indistinguíveis tomava um aspecto plástico por não estarem ocupando seus lugares devidos dentro da confortável concavidade do corpo.
Ele pensa se deveria tomar uma atitude e recolher tudo para dentro de si novamente, mas lembrou que não conseguiria reconhecer cada órgão e nem saberia em qual local cada um pertence.
- Se eu colocar o pulmão no lugar do coração e o ar começar a circular em minhas veias, começarei a levitar? Se colocar o coração no lugar do estomago, começarei a digerir sentimentos?
De qualquer forma percebeu que suas mãos não mais também lhe pertenciam, então qualquer ideia de recolhimento deveria ser descartada.
- Esse asfalto está muito quente, sinto minha bochecha em carne viva.
Em vão tentava se mover, não mais havia músculos sob seu comando. Cansado de todo esforço que não fez decidiu dormir com a leveza de alguém que não precisava controlar mais nada.

Bianca berrou em um suicídio, a forma mais alta que se pode pedir ajuda, o grito mais estridente para perguntar se alguém sente algo por si, se alguém se importa. O grande problema dessa estratégia é que não se está mais lá para ouvir a resposta .
Já Jéssica, sozinha, vai morrendo aos poucos, em gotas já que, moça tímida, nunca foi de alarde.É estar constantemente de pau duro e coração partido
Já vi o por do sol as 22:30 horas em Finisterre, o aplaudi em São Thomé das Letras e o vi nascer a quilômetros de qualquer viva alma no topo do pico da bandeira onde chorei em gargalhadas feito louco uivando pro mar de nuvens que cobria a enorme ausência de qualquer pessoa.
Já vaguei perdido com uma garrafa de vinho na mão pelas praias de Tenerife sem saber ao certo o rumo de casa.
Já fui a Florença com uma grande amiga sem saber aonde estava indo.
Já me perdi em Pisa.
Já fui enganado em Amsterdam e tentaram me roubar em Cartagena e paris.
Já corri na chuva atrás de táxi em Bogotá, quase perdendo o avião.
Já curei bolhas do pé em minha mãe enquanto andava pela Espanha.
Já fui de carro, moto, bicicleta, onibus, carona, tanto boleia quanto na carroceria de caminhao, a pé, de carona, barco.
Já ouvi um concerto de música clássica dentro do castelo de praga.
Já toquei gaita acampado no topo do morro da baleia na chapada dos veadeiros e na Serra do Cipó. Já pesquei com meu filho em Moeda.
Já escalei assistido por minha filha, em Lagoa Santa.
Já andei de caiaque na lagoa de Furnas e no Paranoá.
Já mergulhei nas águas geladas das cachoeiras do Caraça.
Já dirigi em curvas sinuosas até chegar ao fim da Carretera Austral.
Já tive as orelhas queimadas pelo vento frio no Cebreiro e o nariz nas ilhas ballestas.
Já nadei em uma ilha caribe e joguei futebol a 3900 metros de altitude.
Já escalei em lugares selvagens e subi em picos gelados.
Já andei pelas ruas enfeitadas de Serro na quaresma e não consegui dormir pelo barulho eterno da festividade de Señor de la soledad em Huaraz
Já dormi no topo de cachoeiras inexploradas apenas com um saco de dormir sob o protesto de revoadas de andorinhas que dominavam o local, sendo acordado no meio da noite por uma lua que surgiu tão luminosa quanto o sol.
Andei a esmo no salar de uyuni e morri de frio olhando o céu mais estrelado que já vi no deserto.
Já comi salsicha no centro de La paz, churrasquinho aos pés de Machu Picchu, sobá em Campo Grande, pulmão de vaca em Bogotá e ceviche em lima, tudo de barracas de rua que eu adoro.
Já tomei café da manhã gratuito para peregrinos em Santiago de Compostela.
Já vi discos voadores enquanto acampava em Corguinho.
Ja atravesse cavernas imensas e outras que testaram minha claustrofobia
Já ajudei a descarregar tijolos em troca de carona em um caminhão em Tabuleiro.
Já deitei de madrugada na beira do lago em lapinha da serra pra ver o ceu.
Já pedi um grande amor em casamento ajoelhado em uma noite fria no topo da torre Eiffel.
Já descobri cachoeiras.
Já fui infestado por carrapatos.
Já participei de uma missa gregoriana em uma igreja semisubterranea em Vega de Valcarce, já dormi em conventos milenares e tetos de antigas igrejas.
Já tive um banheiro ao céu aberto onde a vista era o topo do monte Roraima, já atravessei a Venezuela e quase não consegui voltar de Isla Margarita.
Já comi as mais estranhas e deliciosas entranhas preparadas em um típico churrasco argentino em buenos aires, cabeça de cordeiro em Cajatambo e os tradicionais calzotes catalões em um aniversário nas montanhas mágicas que cercam barcelona e escondem antigas igrejas e mosteiros, onde também andei a noite em campos de bruxas e coletei aspargos selvagens em campos de alecrim.
Já escorreguei em Gelo e neve para chegar a uma Laguna belíssima e mirar de perto o lindo cume de Cerro Castillo e fiz a trilha se Huayhuash na cordilheira branca sem guia e carregando todo meu equipamento.
Já enfrentei chuva forte ao desembarcar em Cabo Polônio e ouvi blues em Punta del Diablo.
Já atravessei 200 km de praias desertas tomando águas insalubres até chegar na fronteira do Uruguai
Já dormi em faróis abandonados e outro onde o guarda mantinha uma luta diária inglória de vencer a areia que tomava todo o lugar.
Já andei de moto em uma neblina absurda que não conseguia enxergar 100 metros adiante para chegar na Chapada dos Guimarães.
Já fui na casa do Salvador dali, Kafka, Gabriel Garcia Marquez e torquemada, só que eles não estavam lá.
Já passei dias em um veleiro subindo a costa brasileira e entendendo realmente a profundidade que significa a cor azul marinho.
Já pintei quadros, escrevi um livro e inventei uma música. Fiz poemas tão medíocres quanto doloridos sobre amores impossíveis, mesmo odiando poesia.
E olha que estou só começando.
Iconoclasta, determinista, de beira de copo e fundo de cinzeiro, dono de um mundo de um eu só, mas inteiro.